
700 a 600 anos atrás
Primeiros registros de sítios Guarani no Vale do Taquari
Mais ou menos entre 700 e 600 anos atrás, um novo tipo de registro arqueológico aparece no Vale do Taquari. Diferente do caso Jê do Sul, onde os sítios são encontrados nas terras mais altas da região, esses novos sítios são encontrados desde o sul até a porção média, em áreas em que a altitude não ultrapassa 100 metros. Fala-se aqui da chegada dos Guarani ao Vale do Taquari.
Povos de hábitos ribeirinhos, os Guarani eram também exímios canoeiros. No Vale, estabeleceram as suas aldeias nas planícies de inundação ao longo dos rios principais, como o Taquari-Antas e o Forqueta, mas também próximo de arroios e córregos. Embora a grande parte das aldeias foi assentada preferencialmente nas planícies, também são encontrados sítios em áreas de meia encosta e em topos de colinas suaves.

Margens do Arroio Forquetinha, município de Lajeado, áreas ocupadas pelos Guarani.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Planícies de inundação do Rio Taquari-Antas, áreas densamente ocupadas pelos Guarani.
Fonte: Paulo Hopper (Creative Commons).
Os Guarani sempre habitaram áreas cobertas por matas, e no Vale do Taquari não foi diferente. Na região, haviam densas florestas estacionais deciduais e semideciduais do Bioma Mata Atlântica. As aldeias eram então estabelecidas em clareiras abertas no meio da mata com machados de pedra e com o uso do fogo. A derrubada da mata com fogo é conhecida como “coivara”, uma técnica indígena criada ainda na Amazônia e muito eficiente para o plantio, uma vez que as cinzas das queimadas controladas fertilizam o solo.

Machados de pedra polida identificados em sítios Guarani, utilizados para o derrubada do mato.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Nos sítios encontram-se manchas de terra preta associadas à fragmentos de cerâmica, artefatos de pedra polida e lascada, ossos de fauna, carvões, sementes carbonizadas e enterramentos em urnas funerárias ou diretamente no solo. Essas manchas aparecem distribuídas de maneira semicircular ou alinhadas e caracterizam os conjuntos das antigas cabanas desabadas.
Antes das enchentes de 2023 e 2024, as manchas de terra preta eram encontradas entre 30 e 50 centímetros de profundidade no Vale do Taquari. Depois do evento, em muitas planícies a força das águas levou alguns centímetros de terra da superfície, deixando as camadas arqueológicas expostas. Em outros casos, o sedimento que veio do rio cobriu ainda mais os níveis dos sítios.

Sítio arqueológico RS-T-138, Roca Sales/RS, visto de cima. Manchas de terra preta em formato semicircular demonstram o formato da antiga aldeia.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Mancha de terra preta vista de cima. Sítio RS-T-138, Roca Sales/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Os sítios Guarani são conhecidos pela presença volumosa de vestígios, especialmente de fragmentos de cerâmica. A cerâmica tem decoração plástica, com tipos conhecidos pelos arqueólogos como corrugado (marcas da pressão dos dedos), ungulado (marcas de unha), escovado, incisos, digitados e muitos outros; e pintada, com desenhos geométricos feitos com linhas e curvas nas cores preta, vermelha e branca.
Nas aldeias do Vale do Taquari, os Guarani cultivavam alimentos domesticados desde o início, como milhos, feijões, abóboras, mandioca e muitos outros. Vestígios desses cultivos foram encontrados em sítios datados entre 700 e 600 anos, demonstrando que esses povos possuíam um sistema de produção de alimentos bem desenvolvido.
Além do cultivo de plantas, caçavam e capturavam animais de todos os portes na região. Entre os vestígios de fauna foram identificados especialmente mamíferos de pequeno e médio porte, como veados, porcos do mato e preás, mas os peixes, as aves e os répteis também constituíam uma importante parte da dieta alimentar.
Até o momento, as datas mais antigas sugerem que os Guarani acessaram o Vale do Taquari entre 700 e 600 anos atrás. No entanto, como a chegada desses povos aconteceu no Rio Grande do Sul muito antes disso, ou seja, há cerca de 1.500 anos atrás, é possível que no futuro sejam obtidos resultados mais antigos para o contexto da região.
Independente do momento exato de entrada, quando os Guarani decidiram habitar o Vale do Taquari, o fizeram de maneira rápida, estabelecendo aldeias nas áreas limítrofes da borda sul do Planalto, quer dizer, o mais perto possível dos territórios Jê do Sul. Apesar da rápida entrada Guarani, as primeiras décadas de ocupação na região não foram demograficamente expressivas, uma vez que nessa primeira fase ainda haviam poucas aldeias.
Algumas centenas de anos depois, cerca de 500 anos atrás, algo se modificou no seio da organização Guarani no Vale do Taquari. Essa transformação é caracterizada pelo aumento no número de sítios em toda a região, de tal modo que hoje são identificados vestígios em praticamente todas as planícies de inundação, inaugurando uma segunda fase de ocupação. Além das planícies, que eram áreas preferenciais para os Guarani, nesta segunda fase as áreas de mais difícil acesso e mais distantes dos grandes rios também foram ocupadas.
Depois do século 17, com a chegada dos jesuítas e dos bandeirantes, as aldeias Guarani começaram a ser desocupadas e a organização social e política desses povos se enfraqueceu na região. Apesar disso, o final da era Guarani só aconteceu definitivamente no início do século 19.
Para saber mais
Para saber mais sobre a fase em que os sítios Guarani se tornam mais densos no Vale do Taquari, acesse “500 a 400 anos atrás – Auge da ocupação Guarani nas planícies do Vale do Taquari”.
Para saber mais sobre o final da ocupação Guarani na região, acesse “1800 – Século que marca os últimos registros de sítios arqueológicos Guarani no Vale do Taquari”.
Referências
SCHNEIDER, Fernanda. Poder, transformação e permanência: a dinâmica de ocupação Guarani na Bacia do Taquari-Antas, Rio Grande do Sul, Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2019.
SCHNEIDER, Fernanda; WOLF, Sidnei; KREUTZ, Marcos R.; MACHADO, Neli T. G. Tempo e espaço Guarani: um estudo acerca da ocupação, cronologia e dinâmica de movimentação pré-colonial na Bacia do Rio Taquari/Antas, Rio Grande do Sul, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA, v. 12, n. 1, 2017.