
700 a 600 anos atrás
Últimos registros para os Jê do Sul no Vale do Taquari
Os Jê do Sul habitaram o Vale do Taquari por quase seis séculos. Ao longo desse período, viveram em assentamentos estáveis e sedentários que, em alguns casos, chegaram a durar séculos consecutivos.
No entanto, essa estabilidade teve fim há cerca de 600 anos atrás, quando o sinal arqueológico associado aos Jê ficou fraco na região, indicando o fim da ocupação desses povos nas terras altas do Vale do Taquari.
Ao mesmo tempo em que os Jê saem da região, os Guarani chegam ao sul do território. Entre outras explicações para a saída precoce desses povos do Vale do Taquari, visto que em outros lugares do sul do Brasil a presença Jê adentrou o período colonial, os pesquisadores têm interpretado que a pressão exercida pelos Guarani possa ter causado um impacto direto nos povos que ali já viviam.

Casas subterrâneas Jê localizadas no município de Ilópolis/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
A desocupação de determinados territórios Jê concomitante à chegada Guarani não aconteceu apenas no Vale do Taquari, mas também em outros locais da Bacia do Taquari-Antas, especialmente nas áreas próximas da borda sul do Planalto das Araucárias.
É importante destacar que enquanto a chegada Guarani pelo sul do Planalto das Araucárias resultou na desocupação de algumas áreas Jê, que talvez constituíam territórios mais frágeis do ponto de vista social e político, as terras mais altas do Planalto, tanto no Rio Grande do Sul como em Santa Catarina, continuaram densamente ocupadas até o período colonial, configurando uma fronteira territorial impermeável ao avanço Guarani.
A pressão exercida pelos Guarani sobre os territórios Jê também resultou em outros efeitos curiosos. Em Santa Catarina, por exemplo, enquanto os Guarani se expandiam à montante do Rio Uruguai, isto é, na direção dos território Jê, estes passaram a construir casas subterrâneas de tamanhos monumentais, plataformas, aterros e grandes estruturas anelares que depois foram apelidadas pelos jesuítas de “danceiros”.

Grande plataforma construída pelos Jê do Sul nas terras altas de Santa Catarina.
Fonte: Carbonera e Loponte (2025).

Estrutura anelar com montículo central (“danceiro”) e casa subterrânea Jê. Sítio João Machado, Santa Catarina.
Fonte: Carbonera e Loponte (2025).
Essas estruturas com arquitetura impactante foram construídas nas áreas mais sedentarizadas e organizadas dos Jê, e parecem representar a materialização da resistência frente aos forasteiros, a capacidade de mobilização e uma nova forma de defesa do espaço. Como resultado, nas áreas em que essas estruturas foram construídas, as aldeias Jê proliferaram até o século 19, e os Guarani nunca conseguiram acessar.
A dinâmica de contato entre os Guarani e os Jê nas terras altas do sul do Brasil chegou ao fim com a vinda dos missionários jesuítas, dos escravizadores de indígenas e dos colonizadores europeus a partir de 1620. Esses novos personagens modificaram a dinâmica territorial estabelecida entre os povos originários e deram início a uma nova ordem social.
Além de causar uma importante queda demográfica entre os indígenas, a chegada desses personagens estimulou novas movimentações territoriais. Para o caso dos Jê, por exemplo, documentos históricos dos séculos 18 e 19 apontam que grupos de Kaingang se movimentaram de volta ao Vale do Taquari, adentrando inclusive os antigos territórios Guarani, onde formaram novos assentamentos. Alguns desses assentamentos resistiram à ação do tempo e aos conflitos com os colonos, persistindo até os dias atuais.
Referências
WOLF, Sidnei. Arqueologia Jê no Alto Forqueta/RS e Guaporé/RS: um novo cenário para um antigo contexto. 2016. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2016.
SCHNEIDER, Fernanda. Poder, transformação e permanência: a dinâmica de ocupação Guarani na Bacia do Taquari-Antas, Rio Grande do Sul, Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2019.