1965
Registro dos primeiros sítios arqueológicos no Vale do Taquari
Desde o século XIX eram realizadas pesquisas arqueológicas no Brasil, mas muitas vezes de forma amadora. Com a criação da Lei Federal 3.924, de 26 de julho de 1961 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l3924.htm), que entre suas atribuições protegia os bens de natureza material de valor arqueológico teve início a discussão sobre a profissionalização dos pesquisadores.
Uma vez aprovada a legislação havia a necessidade de formar profissionais qualificados para atuarem na área. Uma das primeiras atividades com o objetivo de formar pessoas habilitadas foi a realização de um curso, em 1962, organizado pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Arqueologia da Universidade Federal do Paraná, que teve como ministrante Annette Laming-Emperaire. No curso, com duração de dois meses, os participantes aprenderam sobre métodos de campo e laboratório aplicáveis aos sambaquis.
A turma foi composta pelos pesquisadores: Maria José Reis, Margarida Davina Andreatta, Maria da Conceição Beltrão, Pedro Ignácio Schmitz, Alfredo Rohr, Walter Fernando Piazza, José Joaquim Proenza Brochado, Silvia Maranca, Maria Andréa Loyola e Ondemar Ferreira Dias. O grupo fez as pesquisas de campo no Sambaqui do Toral, no Sambaqui da Ilha dos Rosas II e na Gruta do Wobeto, sítios localizados no litoral do Paraná.
O mesmo Centro, organizou outro curso, em outubro de 1964 com duração de um mês, tendo como docentes Betty Meggers e Clifford Evans, cuja atividade foi realizada na cidade de Paranaguá/PR. A vinda dos arqueólogos foi financiada pela Fulbright Commission dos Estados Unidos, pelo Conselho de Apoio à Pesquisa e ao Ensino Superior (CAPES) e pela Universidade Federal do Paraná. O curso reuniu 12 pesquisadores de diversas partes do Brasil sendo estudados os temas: técnicas de campo, processos padronizados para análise e descrição de cerâmica, proposto um glossário de termos arqueológicos, situação da Arqueologia brasileira em relação aos problemas de pesquisas, bem como de facilidades institucionais e financiamentos.
Após o curso, Meggers e Evans viajaram pelo Brasil visitando as instituições de pesquisa com o objetivo de conhecer os pesquisadores brasileiros em seu ambiente intelectual e físico. Logo depois, com apoio do Smithsonian Institution, foi aprovado a realização do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) proposto por Betty Meggers e Clifford Evans. O programa ainda contou com a colaboração do Museu Paraense Emílio Goeldi, do Conselho Nacional de Pesquisas (atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O PRONAPA foi iniciado em finais de 1965, sendo planejado inicialmente para três anos, mas devido ao número de sítios arqueológicos prospectados foi ampliado para cinco anos.
Um programa dessa envergadura se justificava na medida em que o território do Brasil ocupava quase meio continente sul-americano, além da carência de estudos mais aprofundados em Arqueologia no país. Assim, o PRONAPA foi criado para resgatar e criar um conhecimento básico sobre a realidade da Arqueologia brasileira. Entre 1965 e 1970, as pesquisas foram realizadas dentro de uma metodologia padronizada de levantamentos de sítios arqueológicos de várias regiões, com o material sendo datado e organizado por métodos de seriação em categorias denominadas “tradições”, “fases” e “subfases”.
A previsão era de prospectar o maior número possível de sítios arqueológicos. Os coordenadores do programa previam que em cada seis semanas de trabalho de campo, seguindo a metodologia proposta, seria viável explorar em média 30 sítios arqueológicos.
A seleção dos locais para a realização das atividades de campo, locais a serem prospectados, estava vinculada à origem dos pesquisadores convidados para fazer parte do PRONAPA. Em 1965, nove pesquisadores iniciaram os trabalhos de campo: Eurico Theófilo Miller (Rio Grande do Sul), Walter Fernando Piazza (Santa Catarina), José Wilson Rauth e Igor Chmyz (Paraná), Fernando Altenfelder Silva (São Paulo), Ondemar Ferreira Dias (Rio de Janeiro), Valentin Calderón (Bahia), Nássaro Antônio de Souza Nasser (Rio Grande do Norte) e Mários Simões (Mato Grosso). Nos anos seguintes, Silvia Maranca substituiu Fernando Altenfelder Silva em São Paulo, sendo agregados ao PRONAPA: José Joaquim Proenza Brochado para o Rio Grande do Sul e Celso Perota que desenvolveu pesquisas no Espírito Santo.
Ao longo do programa foram realizados encontros periódicos para que os arqueólogos pudessem compartilhar informações e experiências de campo e laboratório, utilizadas para a definição dos conjuntos culturais pesquisados e organizados sob a forma de fases e tradições. No período aconteceram três reuniões, culminando com o seminário final realizado em 1973, em Washington, Estados Unidos.
Em cinco anos, o PRONAPA propiciou um acentuado volume de sítios arqueológicos conhecidos criando um primeiro modelo sobre o período pré-colonial do Brasil. De acordo com a arqueóloga Adriana Schmidt Dias (1995, p. 35),
“A implantação do Programa representou um salto quantitativo e qualitativo para a arqueologia brasileira. Sua implementação possibilitou que em apenas cinco anos fossem levantados e prospectados mais de 1500 novos sítios arqueológicos, enquadrados em um modelo cronológico e espacial de que carecia a pré-história brasileira. A partir das pesquisas do PRONAPA, em um curto período de tempo, pode-se perceber a amplitude, antiguidade e complexidade da ocupação humana no Brasil anterior à presença européia”.
Outro aspecto positivo do PRONAPA foi o surgimento de novos centros de pesquisas em Arqueologia pelo Brasil, auxiliando na formação de novos profissionais qualificados na área.
Mesmo o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas recebendo críticas, foi um importante passo para uma profissionalização do arqueólogo, além de produzir conhecimento na área, uma vez que o Brasil em relação aos demais países da América do Sul estava defasado.
Referências
BEBER, Marcus V. O sistema de assentamento dos grupos ceramistas do Planalto Sul-brasileiro: o caso da Tradição Taquara/Itararé. Documentos 10, São Leopoldo, 1995.
BROCHADO, José P. et al. Arqueologia brasileira em 1968: um relatório preliminar sobre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, n. 12, 1969.
DIAS, Adriana Schmidt. Um projeto para a arqueologia brasileira: Breve Histórico da implementação do PRONAPA. Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 19 n. 22, 1995.
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.