Durante mais de oito décadas, “a enchente de 1941” ficou marcada como a maior da história do Vale do Taquari, desde que são aferidos os níveis que as águas do Rio Taquari e afluentes alcançam nesses eventos. Na primeira semana de setembro de 2023 as chuvas intensas que afetaram o Rio Grande do Sul causaram mortes e prejuízos em dezenas de cidades, entre elas, Lajeado, Roca Sales e Muçum.

Sobre o evento climático, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul divulgou uma nota sobre a cheia ocorrida nos dias 4 e 5 de setembro de 2023, na Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Em trecho da nota, o Instituto destaca que o estado já havia passado por chuvas e ventos fortes em junho:

“As fortes chuvas que atingiram grande parte da metade norte do Estado do Rio Grande do Sul nos primeiros dias do mês de setembro de 2023 causaram inundações, principalmente na Bacia do rio Taquari‐Antas, com a confirmação de mais de 40 mortes até o momento, além de dezenas de pessoas ainda estarem desaparecidas e outras milhares tenham sido afetadas. O evento ocorreu quando o estado do Rio Grande do Sul ainda se recuperava das chuvas e ventos intensos, que causaram inundações extremas ocorridas há menos de três meses (em 16 de junho), causando elevados impactos econômicos e perdas de vidas humanas”.

A enchente de setembro de 2023 afetou áreas no Bairro Carneiros, em Lajeado/RS. Fonte: Acervo fotográfico de Marcos R. Kreutz.

Conforme a Defesa Civil, a enchente resultou em 54 mortes (dados divulgados em 17 de abril de 2024) e mais de 400 mil pessoas afetadas. Além de municípios da região Vale do Taquari, outros também foram impactados no estado. No ano seguinte, a situação do Rio Grande do Sul piorou ainda mais, com a maior cheia já registrada.

As águas impactaram áreas onde outrora viviam indígenas Guarani

A enchente também causou danos em sítios arqueológicos. A força das águas provocou estragos em sítios arqueológicos já registrados, bem como, em áreas onde havia material arqueológico. A enchente também provocou o efeito contrário, pois camadas de solo foram removidas da planícies, revelando material arqueológico e vários sepultamentos.

Urnas funerárias ficaram expostas em planície de inundação – Rio Taquari, localidade de Lajeadinho, Encantado/RS. Fonte: LABARQ/MCN/Univates.

Em setembro de 2023, a cidade de Muçum, no Vale do Taquari, foi uma das mais atingidas do Rio Grande do Sul, registrando a morte de 16 pessoas, o maior número de óbitos entre os municípios do Vale. Além da perda de vidas humanas, muitos foram os estragos materiais, como a destruição da ponte Brochado da Rocha, importante via que liga Muçum a Roca Sales e a Serra Gaúcha.

O curso do Rio Taquari corre por boa parte do município, e ao longo do rio, férteis planícies margeiam o recurso hídrico. Nessas áreas, se encontram os sítios arqueológicos RS-03, RS-60, RS-61 e RS-T 124, todos pertencentes à etnia Guarani, além de outros locais onde são encontrados artefatos arqueológicos na superfície. Muitos deles foram impactados pelas enchentes.

Entre os sítios arqueológicos impactados encontra-se o RS-03, implantado na localidade de Linha Dom Felipe de Nadal, distante cerca de 27 quilômetros da sede. Na área do sítio, o rio depositou uma camada de cerca de um metro de sedimentos e outros materiais (terra, areia, basalto, restos de vegetação, telhas, tijolos). Em outros locais, no entorno do sítio RS-03, as águas arrastaram camadas de terras chegando a levar um metro de solo.

Área próxima ao sítio arqueológico RS-03. Fonte: Projeto Vale do Taquari: uma história de longa duração.

Referências

SECOM. Após identificação de mais uma vítima, chega a 54 o número de mortos nas enchentes no Vale do Taquari. Casa Militar – Defesa Civil RS. 2024. Disponível em: <https://www.defesacivil.rs.gov.br/apos-identificacao-de-mais-uma-vitima-chega-a-54-o-numero-de-mortos-nas-enchentes-no-vale-do-taquari>.

PROGRAMA. Enchentes de setembro de 2023. Programa Volta por Cima. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. 2024. Disponível em: <https://www.rs.gov.br/enchentes-de-setembro-de-2023>.

KREUTZ, Marcos R. Movimentações de populações Guarani, séculos XIII ao XVIII – Bacia Hidrográfica do Rio Taquari, Rio Grande do Sul. 2015. Tese (Doutorado em Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2015.

SCHNEIDER, Fernanda. Poder, transformação e permanência: a dinâmica de ocupação Guarani na Bacia do Taquari-Antas, Rio Grande do Sul. 2019. Tese (Doutorado em Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2019.