
1.100 anos atrás
Povos Jê do Sul chegam ao norte do Vale do Taquari
Os dados atuais indicam que a chegada dos Jê do Sul no Rio Grande do Sul aconteceu há cerca de 1.800 anos atrás. Até o momento, os sítios mais antigos foram identificados na região nordeste do território gaúcho, entre Bom Jesus, São Francisco de Paula e Caxias do Sul. Dessa região, espalharam-se tomando a direção noroeste, ocupando sempre as terras altas entre os rios Canoas (formador do Uruguai) e Taquari-Antas.
Fruto deste processo de expansão para noroeste, estruturas subterrâneas associadas aos Jê começam a aparecer em Passo Fundo, no norte gaúcho, há 1.300 anos atrás. Alguns séculos depois, cerca de 1.110 anos atrás, as primeiras casas subterrâneas aparecem no norte do Vale do Taquari, em municípios como Arvorezinha, Ilópolis, Anta Gorda e Putinga.

Paisagem típica da ocupação Jê do Sul no Vale do Taquari.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Paisagem típica dos sítios arqueológicos com casas subterrâneas no Vale do Taquari. Sítio RS-T-126. Município de Arvorezinha/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
No Vale do Taquari, os sítios Jê são identificados entre as bacias dos rios Guaporé e Forqueta, dois importantes afluentes do Taquari-Antas. Situada na borda do Planalto das Araucárias, essa região apresenta uma geografia interessante, com altitudes que variam entre 200 e 900 metros.
Até o momento, 69 sítios associados aos Jê foram identificados na região, dos quais sete estão registrados e quatro foram escavados (RS-T-100, RS-T-123, RS-T-126 e RS-T-130). Foram identificados sítios com estruturas subterrâneas e sítios sem a presença de estruturas, sem aterros ou montículos, classificados então como sítios superficiais. Na paisagem, essas duas categorias de sítios se comportam de formas distintas.
De uma forma geral, os sítios com estruturas subterrâneas aparecem em áreas de divisor de bacia ou na alta encosta, associados à mata de araucária em transição com os campos, em altitudes superiores a 600 metros. Podem aparecer isoladas, mas em geral são encontrados em conjunto. Já os sítios superficiais, apesar de localizados em todos os compartimentos topográficos, predominam em áreas de fundo de vale, em altitudes a partir de 270 metros, em ambientes com características de transição entre a mata de araucária e a floresta estacional decidual.

Paisagem das áreas de fundo de vale, onde os sítios superficiais associados aos Jê do Sul foram identificados.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Paisagem das áreas de fundo de vale, onde os sítios superficiais associados aos Jê do Sul foram identificados.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Para a construção das estruturas, havia um planejamento prévio do terreno. No processo construtivo, o sedimento oriundo da escavação dos buracos era depositado no entorno, elevando sua borda, assim como também poderia ser utilizado para nivelar o terreno. Em todas as estruturas observou-se um aprofundamento na porção central, onde a maior parte dos vestígios arqueológicos se concentra, indicando que muitas das atividades do cotidiano eram realizadas no interior das estruturas.
Apesar da concentração estar no centro, no entorno das estruturas também são observados artefatos de pedra, fragmentos de cerâmica e fogueiras. Estas, entre outras coisas, serviam para a produção de alimentos, luminosidade e aquecimento. Além disso, também foi possível observar que muitas estruturas foram construídas e utilizadas contemporaneamente, assim como foi possível identificar que a construção se deu em um único evento.

Escavação de estrutura subterrânea do sítio RS-T-126. Município de Arvorezinha/RS..
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Escavação de conjunto de estruturas subterrâneas do sítio RS-T-123. Município de Arvorezinha/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Imagem aérea de conjunto de estruturas subterrâneas do sítio RS-T-126. Município de Arvorezinha/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Por outro lado, os sítios superficiais apresentam menos variabilidade de vestígios. Geralmente nessas áreas há alta densidade de grandes instrumentos de pedra lascada espalhados nas proximidades das calhas de rios e arroios, de onde se obtinha a própria matéria-prima para o lascamento. Em alguns casos, fragmentos de cerâmica também são encontrados, mas, em geral, é muito menos comum.

Artefatos de pedra de grande porte encontrados em sítios superficiais Jê do Sul do Vale do Taquari.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Diferente das estruturas subterrâneas, que cumpriam a função de habitação e, em conjunto, representam as antigas aldeias Jê, os sítios superficiais parecem cumprir outras funções dentro da lógica desses povos. Essas funções provavelmente eram relacionados à exploração de recursos rochosos ou vegetais, como a retirada de árvores; ou mesmo à caça, coleta e pesca, visto a proximidade de rios e arroios, que são ambientes produtivos do ponto de vista dos recursos.
Além dos dados obtidos sobre o modo de vida e a mobilidade desses povos e um rico acervo de fragmentos de cerâmica e de artefatos de pedra lascada e polida, as pesquisas possibilitaram a criação de um quadro cronológico composto por oito datas radiocarbônicas, cujo resultado insere a ocupação dos Jê do Sul em um intervalo entre 1.100 e 600 anos atrás para o Vale do Taquari.
Para saber mais
Para saber mais sobre as hipóteses que envolvem a saída dos Jê no Vale do Taquari ainda em tempos pré-coloniais, acesse “700 a 600 anos atrás – Últimos registros arqueológicos para a presença Jê do Sul no Vale do Taquari”.
Referências
WOLF, Sidnei. Arqueologia Jê no Alto Forqueta/RS e Guaporé/RS: um novo cenário para um antigo contexto. 2016. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2016.
WOLF, Sidnei; MACHADO, Neli T. G.; OLIVEIRA, Jean L. de. Arqueologia regional entre o Forqueta e o Guaporé: O contexto de ocupação Jê pré-colonial no centro/nordeste do estado do Rio Grande do Sul. Cadernos do Lepaarq, Pelotas, RS, v. 13, n. 26, 2016.
WOLF, Sidnei; MACHADO, Neli T. G. Arqueologia da paisagem aplicada ao estudo de sítios arqueológicos Jê Meridionais nas bacias hidrográficas dos rios Forqueta e Guaporé/RS. Raega, Curitiba, PR, v. 45, n. 1, 2018.