
20.000 anos atrás
Os primeiros habitantes chegam ao Brasil
Entre 12.000 e 8.000 anos atrás, todas as regiões do território que hoje constitui o Brasil já se encontravam ocupadas por populações de caçadores e coletores. Esses povos adaptaram-se aos processos de transformação das paisagens do Holoceno, produziam variados artefatos de pedra lascada e haviam desenvolvido sistemas de subsistência que os arqueólogos chamam de ‘generalistas’, isto é, que não eram focadas em apenas um tipo de alimento ou de caça, suprindo tanto a obtenção de proteínas animais quanto de fibras vegetais.
Apesar do cenário consolidado e estável visto a partir do Holoceno, informações arqueológicas indicam que algumas áreas do Planalto Central brasileiro já estavam habitadas muito antes disso, ainda durante o Pleistoceno. Hoje, estima-se que a fase inicial de ocupação do Brasil se insere entre 20.000 e 13.000 anos. No futuro, entretanto, esse período pode ser ainda mais recuado.
De acordo com as informações hoje disponíveis, cinco sítios arqueológicos têm datas na faixa de tempo entre 20.000 e 13.000 anos. Três estão na região da Serra da Capivara, no Piauí (abrigos Sítio do Meio, Tira-Peia e Pedra Furada); um está no Vale do Rio Peruaçu, no norte de Minas Gerais (abrigo Lapa do Boquete); e um está região de Montalvânia, norte de Minas Gerais (abrigo Lapa do Dragão). Nesses sítios, as evidências arqueológicas se distribuem em dois momentos sucessivos. O primeiro, entre 20.000 e 14.000 anos, corresponde exclusivamente aos sítios da Serra da Capivara. O segundo, entre 14.000 e 13.000, abrange, além dos sítios do Piauí, os dois abrigos do norte de Minas Gerais.

Pedra Furada, Serra da Capivara, Piauí. Fonte: Artur Warchavchik (Creative Commons).

Pintura rupestre em gruta na Serra da Capivara, Piauí.
Fonte: Creative Commons.
Todos os cinco sítios foram encontrados em lugares proeminentes e peculiares que se destacam na paisagem e, ao mesmo tempo, concentram uma grande diversidade de recursos. A região da Serra da Capivara, por exemplo, apresenta um espetacular conjunto de relevo com formas exuberantes e grandes abrigos rochosos. Mais de 500 sítios foram ali encontrados até o momento, predominantemente em abrigos rochosos. Já o monumental relevo cárstico do Vale do Rio Peruaçu reúne cerca de uma centena de sítios conhecidos. Esse vale se conecta ao São Francisco e, entre seus aspectos naturais, apresenta uma grande diversidade florística e centenas de abrigos rochosos.

Dolina dos Macacos, clássica forma do relevo cárstico. Vale do Rio Peruaçu, Minas Gerais.
Fonte: Faagoncalves (Creative Commons).
Essa fase inicial datada entre 20.000 e 13.000 anos parece corresponder a uma longa fase de exploração e mapeamento de uma paisagem ainda escassamente ocupada, onde a Serra da Capivara e o Vale do Peruaçu, assim como o Vale do São Francisco, funcionaram como importantes marcadores de paisagem. Além disso, dadas as frequentes mudanças climáticas que caracterizam o período, que alternavam entre condições muito secas e períodos com intensa chuva sazonal, esses lugares tinham disponibilidade de recursos e devem ter desempenhado um papel estratégico como assentamentos.

Artefatos de pedra lascada localizados no Sítio do Meio. Serra da Capivara, Piauí.
Fonte: Lourdeau (2019).
A partir de 13.000 anos, há um enorme crescimento no número de sítios no Brasil e na sua distribuição espacial. Agora, os grupos passam a se expandir, não somente pelo Planalto Central, mas para todas as regiões brasileiras. Apesar das variações regionais, a subsistência parece continuar generalista, com destaque para a caça de pequenos e médios mamíferos, aves e a coleta de frutos. Para diversos sítios datados neste período, entretanto, há uma notável presença de vestígios botânicos coletados nos registros, indicando a importância da coleta de plantas entre os caçadores antigos.

Boqueirão da Pedra Furada. Serra da Capivara, Piauí.
Fonte: Augusto Pessoa (Creative Commons).
Por fim, é preciso pontuar que alguns pesquisadores defendem que a ocupação no Brasil pode ter iniciado muito antes de 20.000 anos. Essa hipótese desenvolve-se a partir de cinco sítios com datas entre 50.000 e 20.000 anos. Quatro deles também estão na Serra da Capivara (Pedra Furada, Sítio do Meio, Vale da Pedra Furada e Tira-Peia) e o quinto no sul do Mato Grosso (Santa Elina). Antes de 30.000 anos, as evidências concentram-se somente em Pedra Furada, com um hiato de vários milênios ao redor de 40.000 anos. Já entre 30.000 e 20.000 anos, os vestígios provêm dos cinco sítios. No entanto, não há consenso entre os arqueólogos sobre a antiguidade desses vestígios e desses contextos antigos.
Para saber mais
Visite o site da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) para uma imersão virtual interativa no Parque Nacional da Serra da Capivara. A Fumdham, que foi criada para garantir a preservação do patrimônio cultural e natural do Parque, é uma entidade civil, sem fins lucrativos, declarada de interesse público pelo governo brasileiro, que realiza atividades científicas interdisciplinares, culturais e sociais.
Referências
BUENO, Lucas; DIAS, Adriana. Povoamento inicial da América do Sul: contribuições do contexto brasileiro. Estudos Avançados, São Paulo, SP, 29(83), 2015.
BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei; LOURDEAU, Antoine. Caminhando entre vales e chapadas: conhecendo e ocupando o Planalto Central Brasileiro entre o fim do Pleistoceno e o Holoceno Inicial. In: BUENO, Lucas; DIAS, Adriana S (Orgs.). Arqueologia do povoamento americano: contribuições a partir do contexto brasileiro. Curitiba: Editora Appris, 2025.
LOURDEAU, Antoine. A Serra da Capivara e os primeiros povoamentos sul-americanos: uma revisão bibliográfica. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA, v. 14, n. 2, 2019.