
2024
Início das pesquisas em sítios arqueológicos impactados pelas enchentes
As cheias históricas que atingiram o Vale do Taquari entre setembro (2023), novembro (2023) e maio (2024), além dos danos materiais e das vidas perdidas, causaram impactos significativos aos sítios arqueológicos localizados nas margens do Rio Taquari-Antas e de seus afluentes. No passado pré-colonial, essas áreas foram densamente ocupadas por populações indígenas Guarani.
A força das águas deixou em evidência camadas arqueológicas muito antigas, expondo manchas de terra preta, vestígios cerâmicos, artefatos de pedra, restos de fauna e dezenas de enterramentos indígenas depositados em urnas funerárias ou diretamente no solo. Muitas dessas áreas já estavam registradas junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN, e haviam sido pesquisados pelo Laboratório de Arqueologia da Univates, o LABARQ. Outras, contudo, são inéditas e só foram identificados após os impactos das cheias. Esses achados, mas especialmente a presença de urnas funerárias expostas na superfície, instigou a curiosidade dos moradores locais e colocou em risco a integridade e a preservação dos bens arqueológicos.
Projeto “Arqueologia no Vale do Taquari do pós-enchente: mapeamento, escavação e análise de sítios arqueológicos Guarani afetados por desastres ambientais”
Com o intuito de estudar e proteger esse patrimônio arqueológico afetado, a equipe do LABARQ submeteu, em junho de 2024, um projeto ao IPHAN pedindo permissão para pesquisar a área. A submissão de um projeto prévio ao órgão federal responsável, isto é, antes de realizar qualquer intervenção, é obrigatória para a realização de pesquisas que envolvem o patrimônio arqueológico brasileiro.
O projeto propôs os seguintes objetivos: 1) mapear novos sítios Guarani nos 12 municípios mais atingidos da região (Bom Retiro do Sul, Cruzeiro do Sul, Estrela, Colinas, Lajeado, Forquetinha, Marques de Souza, Travesseiro, Arroio do Meio, Encantado, Muçum e Roca Sales; 2) avaliar o grau de preservação dos sítios arqueológicos já cadastrados nos municípios de abrangência; 3) realizar o salvamento arqueológico de sítios que apresentam alto risco de destruição e 4) realizar atividades de educação patrimonial com a comunidade local.
Em julho de 2024, a permissão para a realização de pesquisas foi concedida. Todo o processo, bem como o projeto aprovado podem ser consultados publicamente na plataforma SEI! do IPHAN através do número de processo 01450.004438/2024-15. Além disso, a portaria autorizativa pode ser consultada publicamente no Diário Oficial da União (nº 129 de 8 de julho de 2024).
No mesmo mês de aprovação, foram iniciadas as atividades de escavação no sítio RS-T-138, município de Roca Sales, o primeiro sítio selecionado para o salvamento. Evidenciado após as cheias de maio de 2024, as suas características de preservação, mesmo afetadas pela enchente, demonstraram valor científico sem precedentes para a região. Neste sítio foram evidenciados três enterramentos Guarani em urnas funerárias bem preservadas e dois enterramentos depositados diretamente no solo. Também foram evidenciadas dezenas de manchas de terra preta associadas a vestígios arqueológicos e distribuídas de maneira a formar um “C”.

Vista aérea do sítio RS-T-138 antes das escavações. Destaque para as manchas de terra preta distribuídas em formato de “C”. Município de Roca Sales. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Escavação das áreas com manchas de terra preta no sítio RS-T-138. Município de Roca Sales. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Processo de escavação por decapagem (fina raspagem) do solo no sítio RS-T-138. Município de Roca Sales. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Processo de escavação por decapagem (fina raspagem) do solo no sítio RS-T-138. Município de Roca Sales. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
As escavações foram realizadas por equipe interdisciplinar e binacional (Brasil e Argentina), com o desenvolvimento de decapagens de áreas amplas, uso de mapeamento aéreo por drone e coletas controladas de amostras bioarqueológicas variadas, gerando uma quantidade expressiva de vestígios que agora passam pelas etapas de curadoria (higienização, catalogação e acondicionamento) e análise nos laboratórios do LABARQ. Os primeiros resultados das escavações foram divulgados em veículos nacionais de comunicação (G1, Record TV), estaduais (Jornal Zero Hora, Correio Braziliense) e locais (Grupo A Hora, Univates), resultando em uma grande repercussão regional.

Vista aérea das escavações no sítio RS-T-138. Município de Roca Sales. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Para saber mais
Além da permissão legal para pesquisar a área, o projeto tem recebido apoio irrestrito do IPHAN e do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), e chamado a atenção de órgãos internacionais, como da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a UNESCO.
Em julho de 2024, uma equipe da UNESCO acompanhada de arqueólogos do IPHAN e do LABARQ visitou sítios arqueológicos impactos pelas cheias no Vale do Taquari. A UNESCO, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura e o Ministério da Cultura, organizaram essa missão internacional de emergência com o objetivo de percorrer locais e instituições gaúchas impactadas, buscando, também, avaliar os danos causados aos bens culturais e aos arquivos.

Comitiva da UNESCO, IPHAN e LABARQ em visita à sítios arqueológicos afetados pelas cheias de maio de 2024 no Vale do Taquari. Município de Encantado.
Fonte: Foto de Andréa Zysko.

Comitiva da UNESCO, IPHAN e LABARQ em visita à sítios arqueológicos afetados pelas cheias de maio de 2024 no Vale do Taquari. Município de Encantado.
Fonte: Foto de Andréa Zysko.
Referências
BRITO, Madu. Aldeia indígena Guarani é descoberta por arqueólogos após enchentes no RS; objetos datam o século XV. Globo, 2024. Disponível em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/09/22/aldeia-indigena-guarani-e-descoberta-por-arqueologos-apos-enchentes-no-rs-objetos-datam-o-seculo-xv.ghtml>
FALEIRO, Bibiana. Cheias revelam vestígios de antigas civilizações. A Hora, 2024. Disponível em: <Cheias revelam vestígios de antigas civilizações – Grupo A Hora>.
GIRARDI, Yasmin. Enchente do Vale do Taquari traz à tona descobertas arqueológicas sobre os povos Guarani. Zero Hora, 2024. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/tecnologia/noticia/2024/07/enchente-do-vale-do-taquari-traz-a-tona-descobertas-arqueologicas-sobre-os-povos-guarani-clyc8eide02sq013o53a27yuj.html>
GOUVEIA, Aline. Aldeia indígena do século XV é descoberta após enchentes no RS. Correio Braziliense, 2024. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2024/09/6951939-aldeia-indigena-do-seculo-xv-e-descoberta-apos-enchentes-no-rs.html>
WENDT, Lucas G. Unesco e Univates visitam sítio arqueológico em Encantado exposto após enchentes. Universidade do Vale do Taquari. 2024. Disponível em: <https://www.univates.br/noticia/35314-unesco-e-univates-visitam-sitio-arqueologico-em-encantado-exposto-apos-enchentes>