
1635
Jesuítas visitam aldeias Guarani localizadas no Vale do Taquari
De acordo com o Tratado de Madri, o Vale do Taquari pertencia à coroa espanhola no século 17. Oficialmente, os primeiros europeus a passarem pela região foram jesuítas espanhóis, em 1635. Essa passagem está registrada em Cartas Ânuas escritas pelos jesuítas, um tipo de relatório periodicamente enviado aos Superiores da Companhia de Jesus, em Roma. Esses documentos tinham o intuito de informar aos superiores sobre a obra missionária, descrever as populações nativas contactadas e a geografia das regiões escolhidas para as reduções.
Para o contexto do Vale do Taquari, a “Carta do Padre Francisco Ximenes para seu Superior, dando-lhe conta de uma entrada ao Rio Tebicuari” é muito importante, pois relata uma expedição realizada na região em 03 de janeiro de 1635. Na ocasião, os padres jesuítas Francisco Ximenes e João Suárez partem da Redução de Santa Teresa, atual município de Passo Fundo, e seguem para o Rio Taquari-Antas, onde ficaram por 24 dias. Na carta, Padre Ximenes relata que o objetivo era propor aos Guarani da região a palavra do senhor e convencê-los a se aliar a uma redução.

Rio Taquari-Antas e suas planícies entre os municípios de Muçum e Roca Sales. Território provavelmente acessado durante a incursão dos padres Francisco Ximenes e João Suárez em 1635.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Padre Ximenes inicia a carta:
“Partí a 3 de Enero de este año en prosecución de lo que el P.c Provincial me dejó ordenado, a hacer una entrada a esta infidelidad para proponerles la palabra del Señor y procurar se reuniesen, y gaste en ella 24 días, entre por el Capii, 5 días de camino de aquí, donde me embarque y en medio día salí al Mbocariroi por el cual en dos días salí al Tebiquari, por el cual navegue 3 días, y salí al Mboapari donde deje las canoas (por estar muy bajo) y en cinco días volví a esta reducion. Los demás días gaste en varias salidas que hice a los montes, desde el río donde la gente se juntaba a oír mi embajada”.
Segundo as descrições, as incursões ocorreram em aldeias Guarani localizadas em ambas as margens do Rio Taquari-Antas, em locais que hoje são os municípios de Muçum, Encantado e Roca Sales. Ximenes relata que navegou pelo rio com o uso de canoas até determinada altura e, além de percorrer a beira do rio, também se dirigiu às áreas de montes (morros), onde os indígenas se reuniam para ouvi-lo.

Reconstituição do trajeto dos jesuítas ao longo do Rio Taquari-Antas.
Fonte: Mapa elaborado a partir de Porto (1954), Cortesão (1969) e Google Earth (2015).
Assim como descrito na carta, as pesquisas arqueológicas realizadas na região atestam a presença de populações indígenas Guarani espalhadas nas planícies e nas meias encostas dos municípios de Roca Sales, Muçum e Encantado. Datações em sítios arqueológicos desta região também confirmam que no início do século 17 muitas aldeias Guarani ainda estavam ativas e, provavelmente, tiveram contato com os jesuítas em 1635.

Meandro do Taquari-Antas entre os municípios de Muçum e Roca Sales. A região é cercada de pequenos morros que, provavelmente, eram habitados pelos indígenas visitados por Francisco Ximenes e João Suárez em 1635.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Além da incursão de Francisco Ximenes e João Suárez, o jesuíta Cristóvão de Mendoza também fez explorações ao longo do Rio Taquari-Antas antes do seu trágico fim. Padre Mendoza foi morto próximo ao Rio Piaí, afluente do Rio Caí, vítima de uma emboscada organizada por indígenas da região do Ibiá, contrários à ação dos jesuítas. O seu assassinato provocou um conflito entre indígenas da Redução Jesus Maria e outros que se recusavam a presença dos padres na região. No episódio, os indígenas reduzidos resolveram vingar a morte do padre e buscar o corpo do religioso. O conflito, que foi vencido pelos reduzidos, colaborou com o enfraquecimento das aldeias indígenas na região, facilitando a ação predatória dos bandeirantes paulistas, que um anos depois aconteceram na região.
Referências
CORTESÃO, Jaime. Jesuítas e bandeirantes no Tape: 1615 – 1641. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional 1969.
FANTIN, Odair J. “Obedeciendo a la instrución de compendiar”: registro de viagens de jesuítas nas Cartas Ânuas da Província Jesuítica do Paraguai (segunda metade do século XVIII). 2010. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010.
PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. Volume III. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1954.