
1636
Incursões de bandeirantes paulistas no Vale do Taquari
O princípio da colonização brasileira baseava-se na produção de açúcar destinado ao mercado externo. O litoral nordestino concentrava os principais engenhos que utilizavam a mão de obra escrava. A Capitania de São Vicente (São Paulo), por sua vez, apresentava outro modelo. Diferente dos produtores nordestinos de cana-de-açúcar, os paulistas deram as costas para o circuito comercial do Atlântico e ao modelo agroexportador. Com outra forma de organização empresarial, ficaram eles próprios a constituir a sua força de trabalho. Essa especificidade permite explicar a figura do bandeirante.
O desenvolvimento econômico da Capitania de São Vicente era mais singelo do que o das outras capitanias do Brasil Colônia. Vários fatores fizeram o colonizador preferir o planalto e o sertão em vez do litoral vicentino. Entre eles, a localização da Capitania, cujas condições naturais não eram propícias. A estreiteza da sua faixa litorânea e a má qualidade do solo agiam como obstáculos para a efetivação do empreendimento açucareiro. Outro fator era a distância de São Vicente dos centros consumidores europeus de produtos tropicais. Em comparação com Pernambuco, São Vicente ficava mais distante da Europa. Na época, essa distância gerava um acréscimo importante nos custos de transporte de mercadorias.
Como os paulistas necessitavam de braços para o trabalho e não dispunham de recursos financeiros para adquirir escravizados vindos da África, a solução pensada foi escravizar indígenas. No Brasil Colônia, foi a partir de São Paulo que se organizaram as maiores e mais numerosas bandeiras, que tiveram o seu auge entre 1580 e 1640.
Essas bandeiras dizimaram várias aldeias no sul do Brasil, especialmente nas regiões do Guairá (no Paraná) e do Tape (no Rio Grande do Sul). Embora as expedições adentraram os sertões com o propósito de buscar mão de obra indígena para tocar os empreendimentos agrícolas de São Paulo, existia também, por parte do explorador, a ideia de encontrar metais e pedras preciosas.

Desenho de um acampamento bandeirante [s.d.].
Fonte: Biblioteca Nacional (Domínio Público).

Planícies do Rio Taquari-Antas no município de Colinas. Paisagem desbravada pelos bandeirantes paulistas que circularam pelo Vale do Taquari entre 1636 e 1637.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
Não se sabe ao certo a época em que os bandeirantes chegaram no Rio Grande do Sul, provavelmente foi no início do século 17, mas é a partir da década de 1630 que as expedições se intensificam. As bandeiras comandadas por Antônio Raposo Tavares, Fernão Camargo, Francisco Bueno, André Fernandes e Fernão Dias Pais aprisionaram milhares de indígenas em um curto espaço de tempo e promoveram um enorme déficit populacional nas sociedades indígenas do estado, especialmente entre os Guarani.
No Vale do Taquari, o bandeirante Antônio Raposo Tavares estabeleceu um acampamento às margens do Rio Taquari-Antas, onde hoje é Colinas, e ali ficou por quase um ano, entre 1636 e 1638. Conforme registros, teria construído paliçadas, que são conjuntos de estacas de madeira fincadas verticalmente no terreno, para defesa e aprisionamento de indígenas. A partir desta base, teria atacado diversas aldeias Guarani da região. Além das investidas contra as aldeias, Raposo Tavares realizou ataques às reduções jesuíticas de Jesus Maria José, São Joaquim e São Cristóvão.
No ano seguinte, em 1637, uma campanha chefiada por André Fernandes também circulou pelo Vale com o mesmo propósito. Essa bandeira saiu de São Paulo sob comando de Francisco Bueno, que acabou morto no sertão. Em maio de 1637, a bandeira já estava sediada às margens do Rio Taquari-Antas, provavelmente no mesmo local onde Raposo Tavares ergueu as paliçadas. Além de ataques às aldeias indígenas no Vale do Taquari, Fernandes atacou a redução de Santa Teresa (Passo Fundo) em dezembro de 1637.

Localização das reduções jesuíticas atacadas pela bandeira de Raposo Tavares em 1636.
Fonte: Kreutz (2015) baseado em estudos do arqueólogo Pedro Augusto Mentz Ribeiro.
Referências
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