1893
Deflagração da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul
A Revolução Federalista ocorreu logo após a Proclamação da República, nos três Estados do Sul do Brasil. No Rio Grande do Sul, a guerra civil envolveu federalistas partidários de Gaspar Silveira Martins, conhecidos como maragatos, e os republicanos partidários de Júlio Prates de Castilhos, os pica-paus (também chamados de chimangos, castilhistas ou legalistas). Ambos reivindicavam para si a condição de herdeiros legítimos do poder no Rio Grande do Sul.
Em 1882, é fundado no Rio Grande do Sul o Partido Republicano Rio-Grandense – PRR, tendo Júlio Prates de Castilhos como seu maior líder. O partido propunha modernizar a economia, atendendo a sociedade como um todo.
Era uma época de grande turbulência no Brasil, pois o governo imperial estava sendo muito questionado. Além disso, movimentos abolicionistas pretendiam erradicar a escravidão no país. Insatisfeitos com a atuação de D. Pedro II, considerado centralizador e atrasado, militares tomam a frente, assumindo o poder.
No dia 15 de novembro de 1889, um golpe militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca e com apoio de republicanos civis derrubou o Império e proclamou a República no Brasil. Naquele mesmo dia, foi instituído um governo provisório, assumindo Deodoro da Fonseca para administrar o país.
No Rio Grande do Sul, os liberais (Partido Liberal) que estavam no poder também foram derrubados, e seu líder, Gaspar Silveira Martins, teve que deixar o Brasil. Após a proclamação da República, um grupo de políticos brasileiros, assim como D. Pedro II e sua família, foram para o exílio na Europa. Gaspar Silveira Martins se exilou em Paris, na França.
Em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a nova Constituição brasileira, baseada na Constituição dos Estados Unidos. Júlio de Castilhos, como deputado, participou da elaboração do documento. A partir da promulgação da Constituição, foram realizadas eleições para a presidência da República, sendo Marechal Deodoro da Fonseca eleito presidente do Brasil.
Nesse contexto, no Rio Grande do Sul, havia sido designada uma comissão, composta por Assis Brasil, Júlio de Castilhos e Ramiro Barcelos, para elaborar o projeto da Constituição Estadual. Porém, Castilhos quase que elaborou sozinho o texto constitucional, segundo o qual a autoridade legal do presidente do estado equivalia à de um ditador.
Em 14 de julho de 1891, a Constituinte estadual aprovou o projeto de Castilhos e elegeu-o presidente do Rio Grande do Sul. Júlio de Castilhos, para melhor governar, uniu-se aos militares, aos colonos, aos comerciantes das cidades, procurando atender os respectivos interesses, não somente o dos pecuaristas e charqueadores.
No cenário nacional, pouco tempo depois, enfrentando muitas dificuldades políticas, Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo de presidente em 23 de novembro de 1891, sendo substituído pelo vice-presidente marechal Floriano Peixoto. Como Júlio de Castilhos, o então governador do Estado, tinha se declarado a favor de Deodoro, resolveu também renunciar em 11 de novembro de 1891. O Rio Grande do Sul passou a ser governado por uma Junta Governativa formada por Assis Brasil, João de Barros Cassal e o general Domingos Barreto Leite. Cinco dias depois, Assis Brasil renunciou, passando Barreto Leite e Barros Cassal a se revezar no comando do Estado.
Com o cargo de presidente do Estado passando de mão em mão, o Rio Grande do Sul vivia dias de grave crise política. Em 8 de junho de 1892, Barros Cassal foi substituído por José Antônio Correia da Câmara, que ficou no cargo por apenas nove dias. Júlio de Castilhos articulou um movimento para derrubar a Câmara e entregar o poder para Vitorino R. Carneiro Monteiro, que, por sua vez, foi substituído em 27 de setembro de 1892 por Fernando Abbott, que exerceu interinamente o governo até as eleições que mais uma vez levaram Júlio de Castilhos ao cargo máximo do Estado.
Nesse turbulento período político, em fevereiro de 1892, Gaspar Silveira Martins voltava do exílio regressando ao Rio Grande do Sul. Após o retorno, Gaspar Silveira Martins coordenou um grupo de políticos para fundar um novo partido no Rio Grande do Sul, que fizesse frente ao PRR de Júlio de Castilhos. Assim, em 31 de março de 1892, definiram as bases de atuação da nova sigla, o Partido Federalista. No encontro, Gaspar Silveira Martins foi aclamado chefe do Partido. O Partido Federalista começou a fazer fortes críticas à Constituição Estadual de 1891, idealizada por Júlio de Castilhos.
Júlio de Castilhos foi eleito novamente presidente do Rio Grande do Sul, assumindo o governo em janeiro de 1893. Seu modo de governar foi inspirado no positivismo, um conjunto de ideias formuladas pelo filósofo Auguste Comte.
Descontentes com o governo, os federalistas (liberais) liderados por Gaspar Silveira Martins, que contavam também com o apoio dos monarquistas, exigiam a saída do governador, pois consideravam que sua eleição fora manipulada. Além disso, os liberais foram afastados do poder, perdendo os privilégios conquistados no período imperial.
Além de contrários a Júlio de Castilhos, os federalistas, que defendiam os interesses dos pecuaristas, estavam insatisfeitos com o presidente da República, Floriano Peixoto, pois, entre outras demandas, reivindicavam a descentralização política e uma maior autonomia para os Estados.
Em fevereiro de 1893, tropas federalistas iniciaram a rebelião no Rio Grande do Sul com o objetivo de promover mudanças na Constituição Estadual de 1891, que concedia muitos poderes ao presidente do Estado. Entre elas: pela Constituição, seria permitida a reeleição ilimitada ao presidente, desde que o candidato obtivesse ao menos três quartos dos votos, bem como caberia também ao presidente do estado a elaboração de leis, as quais seriam implantadas por decretos.
O conflito iniciou em 2 de fevereiro de 1893 na região fronteiriça do Rio Grande do Sul. Contando com refugiados que estavam no Uruguai, somados aos brasileiros que moravam no país vizinho, Gumercindo Saraiva liderou o grupo que se juntou aos homens do general João Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares, cujo exército que comandava era formado por brasileiros e uruguaios. As tropas eram formadas por civis, sendo a maioria dos comandantes, coronéis latifundiários, ou seja, chefes locais.
Em 23 de fevereiro de 1893, as tropas de Gumercindo Saraiva e Joca Tavares ocuparam Dom Pedrito e em seguida Alegrete. Cada vez mais, os revoltosos foram avançando, seguindo para o norte do Rio Grande do Sul. Para conter a revolução no Rio Grande do Sul e demais Estados do Sul, e evitar outras revoltas pelo país, o Presidente da República, Floriano Peixoto concentrou forças militares no Paraná para combater os revoltosos.
Enquanto isso, as batalhas se multiplicavam no Rio Grande do Sul. O ódio era recíproco, tanto da parte dos Maragatos, quanto dos Chimangos (grupo formado por tropas do governo). Crimes, roubos e muitas outras atrocidades foram cometidas por ambos os lados.
Alguns conflitos ocorridos durante a Revolução Federalista foram violentos. Os combatentes envolvidos, de ambos os lados, lutavam entre si sem piedade e misericórdia. A violência gerada no conflito levou ambos os lados a utilizarem de uma prática conhecida como “degola”, isto é, cortar a garganta dos inimigos. Ação justificada pela incapacidade das forças em combate de fazerem prisioneiros, mantê-los no cativeiro e alimentá-los, pois as tropas lutavam em situação de penúria. Também era uma forma de vingar, intimidar e aterrorizar o inimigo e de poupar munição.
Não se sabe o número exato de combatentes mortos na Revolução Federalista. Estimativas apontam que pelo menos 10 mil pessoas perderam a vida no conflito. Destas, cerca de mil teriam sido degoladas. Por esse motivo o conflito também ficou conhecido como Revolução da Degola.
Com o passar do tempo, o ímpeto das tropas federalistas diminuiu depois de seguidas derrotas e, especialmente, após a morte em combate do seu líder Gumercindo Saraiva. O conflito deflagrado em fevereiro de 1893 estendeu-se até agosto de 1895, quando foi assinado o acordo de paz, em Pelotas. A vitória dos republicanos marcou a permanência de Júlio de Castilhos no poder.
Capa do jornal A Federação, jornal vinculado aos republicanos – A edição de 24 de agosto de 1895 é noticiada a assinatura do acordo de paz.
Fonte: Biblioteca Nacional.
Disponível em: <https://bndigital.bn.br/acervo-digital/federacao/388653>
Júlio de Castilhos governou o Rio Grande do Sul até 1898, quando conduziu a escolha de seu sucessor: Antônio Augusto Borges de Medeiros, também membro do PRR e integrante da bancada gaúcha na Constituinte de 1891. Borges de Medeiros deu continuidade ao projeto político do castilhismo. Castilhos faleceu em 24 de outubro de 1903.
Quanto a Gaspar Silveira Martins, após o conflito viveu em exílio na sua estancia, Rincón Pereira, no Uruguai. Com uma atuação cada vez mais reduzida no âmbito político, morreu em 23 de julho de 1901.
Referências
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