1895
O Vale do Taquari é palco de conflitos entre chimangos e maragatos
No transcorrer da Revolução Federalista, a região do Vale do Taquari também foi palco de embates entre chimangos e maragatos. Uma das marcas desse conflito pode ser encontrada nas margens da rodovia que liga os municípios de Colinas e Imigrante. Trata-se de um túmulo de um imigrante alemão que participou da Revolução ajudando as pessoas feridas. Convidado a marchar junto com os maragatos, o mesmo teria se negado, pois também queria auxiliar os chimangos. Com a negativa, o imigrante teria sido assassinado.

Túmulo de Gusdav Heinrich von Wüebel, cuja sepultura se encontra às margens da rodovia. A imagem é do ano de 2006, depois dessa data a mesma foi restaurada. Fonte: LABARQ/MCN/Univates.
Além da Revolução: a luta pela terra
Entre o século 18 até meados do século 19, parte das terras do Vale do Taquari eram ocupadas por famílias muito pobres, pessoas que plantavam para sua sobrevivência, além de trabalharem na extração da erva-mate e no corte de madeira. Essas famílias não tinham títulos de propriedade, nem direito ao usucapião, nem qualquer defesa jurídica. Assim, desprovidas de recursos, perderam o seu espaço a partir da chegada dos imigrantes europeus.
Quando iniciou o processo de ocupação das colônias alemãs no Vale do Taquari, os posseiros, os maragatos serranos ou ervateiros serranos, como eram chamados na época do conflito, tiveram que deixar as terras. À medida em que as empresas imobiliárias mediam e vendiam os lotes coloniais aos imigrantes, os posseiros eram expulsos e migravam para outros locais, em especial, para as regiões mais ao Norte do Vale e para outras localidades, como Soledade.
Dessa maneira, munidos de ódio e revolta, os posseiros atraídos pela vontade de retornar às suas antigas terras, a partir de promessas feitas pelos líderes regionais que aliciavam essas pessoas, tornaram-se “soldados”, engrossando as fileiras dos combatentes federalistas.
As colônias no conflito – os embates
No início da revolução, as colônias de imigração ficaram fora do conflito. Nesse sentido, Júlio de Castilhos pretendia manter as colônias novas (Vale do Taquari e Vale do Rio Pardo) fora da contenda, uma vez que essas áreas abasteciam o Rio Grande do Sul com alimentos e com o pagamento de impostos.
Entretanto, o desenvolvimento das colônias chamou a atenção dos líderes de ambos os lados por seu potencial, especialmente de víveres e soldados. O Vale dos Sinos esteve menos envolvido no conflito, uma vez que contava com alguma proteção devido à sua proximidade com a capital. Outras colônias não tiveram a mesma sorte.
Nas colônias, as duas forças poderiam se abastecer. Os republicanos recrutavam jovens para lutar, extorquiam dinheiro, gado, cavalos e principalmente alimentos. Enquanto isso, os maragatos, mais radicais em seus pedidos, ameaçavam de morte e vingança caso suas reivindicações não fossem atendidas.
Uma das estratégias utilizadas pelos maragatos era um certo tipo de acordo que faziam com os colonos. Para evitar o ataque às propriedades, exigiam alimentos, animais e bens materiais (dinheiro, joias) de comunidades do interior. O não cumprimento implicaria em ataque a essas localidades.
Assim, especialmente os colonos alemães foram envolvidos pela Revolução. Parte deles, simpatizantes de Júlio de Castilhos, começaram a apoiá-lo. Porém, havia também os seguidores das ideias de Gaspar Silveira Martins. Entre eles, Joseph Altenhofen, líder federalista que tinha propriedade em Beija-Flor, município de Estrela. Para muitos colonos, era mais sensato manter-se na neutralidade ou apoiar discretamente Júlio de Castilhos.
Entre 1893 e 1895, o Vale do Taquari estava dividido entre dois pólos rivais: os federalistas, vindos das áreas serranas; e os governistas, compostos principalmente por católicos, homens públicos e alguns comerciantes. O Vale foi atingido por uma guerra com características de guerrilha, sem fronteiras definidas.
Como se percebe, as rusgas entre colonos germânicos e maragatos não podem ser atreladas apenas a questões políticas. Tratava-se de uma espécie de “acerto de contas” entre dois grupos, os que tiveram que abandonar suas terras e aqueles que ocuparam as terras por meio da colonização.
Conflitos no Vale
Muitos conflitos ocorreram no Vale do Taquari entre 1893 e 1895. Em praticamente toda a região, houve algum episódio envolvendo a população local ou tropas militares do governo com militantes revolucionários. O resultado desses fatos ainda carecem de maiores informações. Não se sabe ao certo a dimensão dos conflitos, ou seja, o número de envolvidos e de vidas perdidas durante a Revolução na região.
Principais movimentações de tropas de ambos os lados entre 1893 e 1895 – Vale do Taquari
Data | Local e movimentos de ambos os lados |
03/04/1893 | Taquari |
27/04/1893 | Estrela |
Junho/1893 | Anta Gorda |
06/07/1893 | Encantado |
07/09/1893 | Arroio do Meio |
10/09/1893 | Lajeado e Estrela |
16-19/09/1893 | Lajeado e Estrela |
12/10/1893 | Teutônia |
30/10/1893 | Estrela |
31/10/1893 | Cruzeiro do Sul |
14/11/1893 | Lajeado |
01/12/1893 | Estrela |
15/05/1894 | Teutônia |
17/05/1894 | Colinas |
25/07/1894 | Imigrante |
17/12/1894 | Lajeado |
28/01/1895 | Travesseiro |
28/05/1895 | Santa Clara do Sul |
Fonte: Schierholt (1995).
O episódio de Santa Clara do Sul
Entre os tantos episódios ocorridos no Vale do Taquari, um deles foi na cidade de Santa Clara do Sul, quando moradores locais enfrentaram um grupo de maragatos em 28 de maio de 1895.
Na época, o desenvolvimento de Santa Clara incitava a cobiça de ambos os lados. Tanto os republicanos como os federalistas buscavam na colônia pessoas e produtos para a manutenção de suas linhas de combate. Entretanto, para entender o conflito regional, é preciso mencionar o grupo maragato local, os maragatos serranos. Como descrito acima, esse grupo era formado por pessoas de poucas posses, ervateiros e trabalhadores pobres e livres, e que foi obrigado a deixar as terras comercializadas como lotes para os colonos europeus. De certa forma, o conflito também seria a oportunidade dos serranos atacarem as propriedades dos imigrantes, vingando o passado.
A situação ficou bastante tensa nos primeiros meses do ano de 1895, quando maragatos serranos liderados pelo federalista Zeca Ferreira passaram a descer a Serra até Sampaio, promovendo assaltos às picadas próximas, como Nova Berlim, Picada Aurora e Picada Augusta. A qualquer momento, poderiam fazer o mesmo em Santa Clara do Sul. Tal situação aconteceu em 05 abril de 1895, quando maragatos invadiram as casas de vários agricultores, entre eles, a de Miguel Ruschel Sobrinho. Foi uma espécie de aviso de que o ataque à vila não demoraria para acontecer.
Para fazer frente a essas investidas, os colonos santa-clarenses, sob o comando de José Diel, criaram uma Guarda civil. Diel solicitou ao Intendente de Lajeado, Júlio May, e ao Major Carlos da Costa Bandeira, Comandante Militar de Estrela, autorização para a compra de armamento. Assim, alguns moradores de Santa Clara, acompanhados pelo Intendente, foram a Porto Alegre buscar armamento para a defesa.

José Diel liderou os moradores de Santa Clara no ataque dos maragatos em 28 de maio de 1895.
Fonte: Acervo fotográfico do Arquivo Histórico Municipal de Lajeado.
Durante o mês de maio de 1895, enquanto a comunidade de Santa Clara se preparava, os maragatos fizeram uma nova investida na propriedade de Jacó Russo, cujo saldo resultou em ferimentos a Jacó e a um filho, além da pilhagem. No dia 14 de maio, José Diel recebeu a notícia de que o maragato José da Rocha liderava um grupo que estaria acampado em Boa Esperança. Diel e sua guarda seguiram o rastro, mas não os encontraram.
Nesse meio tempo, Diel recebeu do federalista Capitão Antônio Ribeiro dos Santos uma mensagem dando conta de avisar que o grupo de Zeca Ferreira atacaria Santa Clara. Em resposta, Diel afirmou que a população estava preparada, mas, mesmo assim, as ameaças continuaram. Uma nova carta ameaçadora foi enviada pelo Capitão Ribeiro, comunicando que Santa Clara seria destruída.
Mesmo com uma vigilância permanente, os moradores de Santa Clara viviam num clima de constante tensão, pois algo ruim estava por acontecer. E aconteceu: no dia 28 de maio de 1895 um conflito foi deflagrado na picada, marcando para sempre a história do município.
Não se sabe quantos combatentes estavam envolvidos. Algumas fontes revelam que os moradores de Santa Clara teriam enfrentado e expulsado em torno de 400 maragatos. Em documento oficial, no relatório do Intendente de Lajeado para o Governador do Estado, consta o número de “200 homens” liderados por Zeca Ferreira. Da mesma forma, pelo lado dos republicanos moradores da picada, são lembrados 50 homens que lutaram naquele dia. Atualmente, a cidade de Santa Clara do Sul conta com um monumento construído para guardar a memória do conflito.

Parque em Santa Clara do Sul lembrando o embate da Revolução Federalista.
Fonte: Acervo fotográfico de Marcos R. Kreutz
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