
1960
Década que marca o início das pesquisas arqueológicas profissionais no Brasil e no Rio Grande do Sul
Desde a década de 1870 são realizados estudos voltados à Arqueologia no Brasil e Rio Grande do Sul. Esses primeiros trabalhos foram realizados por amadores e entusiastas, resultando na coleta de materiais e na descrição de sítios. A partir de 1950, os trabalhos foram ficando mais complexos, e os pesquisadores mais preocupados em compreender, além da cultura material, a implantação ambiental e geográfica dos sítios.
No entanto, foi na década de 1960 que a Arqueologia no Rio Grande do Sul (e em todo o Brasil), tomou um novo rumo. A criação da Lei Federal 3.924 de 26 de julho de 1961, que entre suas atribuições protegia os bens de natureza material de valor arqueológico, estimulou a profissionalização dos pesquisadores.

Betty Meggers e Clifford Evans ás margens do Rio Anajas em 1949.
Fonte: Instituto Anchietano de Pesquisas (IAP), Unisinos.
Uma vez aprovada a legislação, havia a necessidade de formar profissionais qualificados para atuarem na área. Uma das primeiras atividades foi a realização em 1962 de um curso organizado pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Arqueologia da Universidade Federal do Paraná, que teve como ministrante Annette Laming-Emperaire. Com duração de dois meses, os participantes aprenderam sobre métodos de campo e laboratório aplicáveis aos sambaquis.

Os organizadores de um curso em 1956: Joseph Emperaire (à esq.), Annette Laming-Emperaire e José Fernandes (fundador do CEPA-UFPR).
Fonte: CEPA/PR.
A turma foi composta pelos pesquisadores Maria José Reis, Margarida Davina Andreatta, Maria da Conceição Beltrão, Pedro Ignácio Schmitz, Alfredo Rohr, Walter Fernando Piazza, José Joaquim Proenza Brochado, Silvia Maranca, Maria Andréa Loyola e Ondemar Ferreira Dias. O grupo fez as pesquisas de campo no Sambaqui do Toral, no Sambaqui da Ilha dos Rosas II e na Gruta do Wobeto, todos localizados no litoral do Paraná.
Esse mesmo Centro organizou em outubro de 1964 um curso com duração de um mês. Os docentes foram o casal Betty Meggers e Clifford Evans, e as atividades foram realizadas na cidade de Paranaguá/PR. A vinda dos arqueólogos foi financiada pela Fulbright Commission dos Estados Unidos, pelo Conselho de Apoio à Pesquisa e ao Ensino Superior (CAPES) e pela Universidade Federal do Paraná. O curso reuniu 12 pesquisadores de diversas partes do Brasil para estudar técnicas de campo, processos padronizados para análise e descrição de cerâmica, proposta de um glossário de termos arqueológicos, situação da Arqueologia brasileira em relação aos problemas de pesquisas, bem como de facilidades institucionais e financiamentos.
Após o curso, Meggers e Evans viajaram pelo Brasil visitando as instituições de pesquisa com o objetivo de conhecer os pesquisadores brasileiros em seu ambiente intelectual e físico. Logo depois, com apoio do Smithsonian Institution, foi aprovado o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA). O programa contou com a colaboração do Museu Paraense Emílio Goeldi, do Conselho Nacional de Pesquisas (atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O PRONAPA foi iniciado em finais de 1965, sendo planejado inicialmente para três anos, mas devido ao número de sítios arqueológicos identificados, foi ampliado para cinco anos.

Casal Betty Meggers e Clifford Evans analisando cerâmica.
Fonte: The Times.
Um programa dessa envergadura se justificava na medida em que o território do Brasil ocupava quase meio continente sul-americano, além da carência de estudos mais aprofundados em Arqueologia no país. Assim, o PRONAPA foi criado para resgatar e criar um conhecimento básico sobre a realidade da Arqueologia Brasileira. Entre 1965 e 1970, as pesquisas foram realizadas dentro de uma metodologia padronizada de levantamentos de sítios arqueológicos de várias regiões.
A previsão era de prospectar o maior número possível de sítios arqueológicos. Os coordenadores do programa previam que em cada seis semanas de trabalho de campo, seguindo a metodologia proposta, seria viável explorar em média 30 sítios arqueológicos.
A seleção dos locais para a realização das atividades de campo estava vinculada à origem dos pesquisadores convidados para fazer parte do PRONAPA. Em 1965, nove pesquisadores iniciaram os trabalhos de campo: Eurico Theófilo Miller (Rio Grande do Sul), Walter Fernando Piazza (Santa Catarina), José Wilson Rauth e Igor Chmyz (Paraná), Fernando Altenfelder Silva (São Paulo), Ondemar Ferreira Dias (Rio de Janeiro), Valentin Calderón (Bahia), Nássaro Antônio de Souza Nasser (Rio Grande do Norte) e Mários Simões (Mato Grosso). Nos anos seguintes, Silvia Maranca substituiu Fernando Altenfelder Silva em São Paulo. Também foram agregados ao PRONAPA José Joaquim Proenza Brochado para o Rio Grande do Sul e Celso Perota para o Espírito Santo.

O arqueólogo Eurico Miller em frente à antiga sede do Museu de Arqueologia do Rio Grande do Sul (Marsul). Detalhe do carro adesivado com o nome do Pronapa.
Fonte: Fonte: Acervo Marsul/Sedac.
Ao longo do programa foram realizados encontros periódicos para que os arqueólogos pudessem compartilhar informações e experiências de campo e laboratório, utilizadas para a definição dos conjuntos culturais pesquisados e organizados sob a forma de fases e tradições. No período, aconteceram três reuniões, culminando com o seminário final realizado em 1973, em Washington, Estados Unidos.
Em cinco anos, o PRONAPA representou um salto quantitativo e qualitativo para a Arqueologia Brasileira. Sua implementação possibilitou que fossem encontrados mais de 1500 novos sítios e, além disso, que fosse possível a criação do primeiro modelo cronológico e espacial para a pré-história brasileira. A partir das pesquisas do PRONAPA, em um curto período de tempo, pode-se perceber a amplitude, antiguidade e complexidade da ocupação humana no Brasil anterior à presença europeia.

Escavação no litoral norte do Rio Grande do Sul em 1966 no contexto do Pronapa. Sítio RS-LN-35 (Bassani).
Fonte: Acervo Marsul/Sedac.
Outro aspecto positivo do PRONAPA foi o surgimento de novos centros de pesquisas em Arqueologia pelo Brasil, auxiliando na formação de novos profissionais qualificados na área. No Rio Grande do Sul, por exemplo, grande parte das universidades públicas ou privadas mantém laboratórios ou acervos de Arqueologia em seus departamentos, e muitas delas ainda realizam pesquisas acadêmicas no campo arqueológico.
Para além da Arqueologia acadêmica, a partir dos anos 2000 se intensificam no Brasil os trabalhos voltados a licenciamentos ambientais e arqueologia de contrato, atrelados à obras de engenharia e ao desenvolvimento econômico do Brasil. Esses trabalhos permitiram um aumento de pesquisas na área, inclusive locais que ainda não haviam sido estudados.

Pontas de projéteis recuperadas sul do Brasil há cerca de 12 mil anos com pesquisas do PRONAPA.
Fonte: Ancient Native Americans (1978).
Referências
BROCHADO, José P. et al. Arqueologia brasileira em 1968: um relatório preliminar sobre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, n. 12, 1969.
DIAS, Adriana Schmidt. Um projeto para a arqueologia brasileira: Breve Histórico da implementação do PRONAPA. Revista do CEPA, Santa Cruz do Sul, v. 19 n. 22, 1995.
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.