2005
Registro da Comunidade São Roque como remanescente quilombola
Na região geopolítica Vale do Taquari/RS, a Fundação Palmares certificou três comunidades quilombolas. A Comunidade São Roque, localizada no Distrito de Palmas, Arroio do Meio, foi a primeira a ser reconhecida na região, em 2005. As outras duas no município de Lajeado: Comunidade Quilombola Maria Carmem, no Bairro Morro 25 e a Comunidade Quilombola Unidos do Lajeado, no Bairro Planalto.
Quilombos: lugar de resistência
Entre os séculos XVI e XIX (Brasil Colônia e Império), uma das soluções encontradas pelos escravizados(as) africanos(as) e seus descendentes para sobreviver ao regime escravocrata foram os quilombos.
Cansados da exploração, dos maus tratos, de não poder manifestar sua cultura e tradição, os negros começaram a reagir à escravidão, e estabeleceram as primeiras rebeliões, onde fugiam e formavam no meio das florestas os quilombos. Espaços para preservar suas vidas, culturas, além de constituírem novas formas de viver.
Os quilombos, geralmente, se localizavam em territórios distantes das cidades maiores, afastados e de difícil acesso, estratégia adotada para dificultar a chegada de guardas ou tropas militares. Alguns quilombos se organizavam como nômades, outros ocupando um território fixo. Havia ainda aqueles que mantinham parcerias com povos nativos.
Mas as comunidades quilombolas não viviam somente nas áreas rurais, havia também aqueles que se concentravam em áreas urbanas, ou ainda em quilombos próximo aos núcleos urbanos. Nos quilombos urbanos as famílias negras, em seus territórios lutaram por reconhecimento, por direito à cidadania, a políticas públicas e contra o racismo estrutural e a discriminação social.

Quilombos mais conhecidos no Brasil, entre os séculos XVII e XIX. Fonte: https://cidadaniaquilombolas.wordpress.com/wp-content/uploads/2015/04/jbh3067.jpg
Nos quilombos, o povo africano e seus descendentes se organizavam economicamente, produziam seu próprio alimento, que além de suprir as necessidades do grupo, poderiam abastecer comunidades vizinhas. Portanto, nos quilombos, os escravizados africanos e seus descendentes, a partir da união de seus integrantes, conhecimento e resistência garantem sua própria subsistência.
Lutas para manutenção dos quilombos
Esses espaços foram muito combatidos. A destruição de quilombos foi uma prática corriqueira no Brasil. Exércitos e milícias, com apoio do governo, eram organizados para destruir, na medida do possível, esses locais em todos os cantos do país.
Nesse contexto, Palmares, no Estado de Alagoas, foi um dos maiores redutos de resistência à escravidão. Concentrou milhares de pessoas, principalmente escravos fugidos dos engenhos localizados nas Capitanias de Pernambuco e Bahia. Após inúmeras investidas do governo, Palmares foi destruído no final do século XVII.
No Rio Grande do Sul, o governo também combateu os quilombos, como em 1853, quando o presidente da Província, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, em ofício (Ofício n. 51, 1853) solicitava ao delegado de polícia de Rio Pardo, organizar uma expedição para destruir quilombos naquela vila.
Na campanha, a guarnição localizou e destruiu um quilombo entre os arroios Sampaio e Taquari-Mirim. Interrogados, os capturados afirmaram que recebiam armas e mantimentos em troca de serviços prestados a Eleutério Rodrigues de Lima. Na época, o presidente da província ordenou que Eleutério fosse processado por auxiliar fugitivos. Em todo o território do Brasil escravista, era comum que homens e mulheres livres apoiassem quilombolas em troca de serviços.
A resistência no Vale do Taquari
Assim como em vários locais do Rio Grande do Sul, os núcleos quilombolas também se formaram no Vale do Taquari. Em sessão do Conselho Municipal da Vila de Taquari (Câmara de Vereadores de Taquari), realizada em 09 de abril de 1851, o secretário Manoel Fernandes da Silva leu ofício do Presidente da Província sobre o uso da Guarda Nacional para neutralizar possíveis quilombos. De acordo com a ata (1851, p. 105v e 106):
“Leo-se outro offício da Presidencia da Provincia dactado de 25 de Outubro do anno proximo passado, communicando não poder despensar do serviço da G. N.al move o n. de homens que esta Camara requisitou em officio n.o 39 de 12 daquele mez para, com o Capitão do matto do districto respectivo, baterem os escravos que se possão reunir a quaesquer quilombos; e sim que a Authoridade Policial competente deve reclamar auxílio de força, quando seja necessário, ao Comandante do Corpo de G.N.s mais proximo ao lugar onde se tratar faser essa deligencia”.
Assim, os quilombos se tornaram frequentes na paisagem brasileira, a partir do século XVI. Foi uma forma de luta pela conquista de direito em meio ao sistema que tentava de todas as formas retirar qualquer dignidade humana.
Remanescentes quilombolas
De acordo com a Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura (2024), define:
“Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, ‘consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida’.”
Ainda, segundo a instituição,
“As comunidades remanescentes de quilombo se adaptaram a viver em regiões por vezes hostis. Porém, mantendo suas tradições culturais, aprenderam a tirar seu sustento dos recursos naturais disponíveis ao mesmo tempo em que se tornaram diretamente responsáveis por sua preservação, interagindo com outros povos e comunidades tradicionais tanto quanto com a sociedade envolvente. Seus membros são agricultores, seringueiros, pescadores, extrativistas e, dentre outras, desenvolvem atividades de turismo de base comunitária em seus territórios, pelos quais continuam a lutar. Embora a maioria esmagadora encontrem-se na zona rural, também existem quilombos em áreas urbanas e peri-urbanas”.
A Fundação Cultural Palmares, de acordo com o Artigo 4º do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, é responsável pela emissão de certidões às comunidades quilombolas e sua inscrição em um cadastro geral.
No Vale do Taquari, até novembro de 2024, eram três comunidades reconhecidas. No município de Lajeado, são duas urbanas, a Comunidade Unidos do Lajeado (reconhecida em 2017), organizada no Bairro Planalto e a Comunidade Maria Carmem (reconhecida em 2023), no Bairro Morro 25.
Em Arroio do Meio, a Comunidade São Roque foi certificada em novembro de 2005, como Remanescente das Comunidades Quilombolas. Trata-se de um quilombo rural, localizado no distrito de Palmas.
A formação da Comunidade São Roque está ligada à vinda e estabelecimento de Alcides Geraldo da Silva, o Vovô Theobaldo, nas terras onde se localiza o quilombo. Quando chegou ao local, seu Alcides trabalhou para um agricultor, em troca de moradia e comida. Aos poucos foi conquistando seu espaço, constituiu família e conseguiu, com muito sacrifício, um pedaço de terra, originando mais tarde a Comunidade Remanescente de Quilombo São Roque.
Para saber mais
A definição do verbete quilombo pode ser encontrada no Dicionário do Patrimônio Cultural IPHAN.
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/81/quilombo
Referências
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FUNDAÇÃO PALMARES. Fundação Cultural Palmares. Ministério da Cultura. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/palmares/pt-br>.
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