Desde que são aferidos os níveis que as águas do Rio Taquari-Antas e afluentes atingem, ou seja, nas últimas oito décadas, a enchente de 1941 ficou marcada como a maior da história do Vale do Taquari. Naquele ano, choveu 20 dias sem parar entre os meses de abril e maio. No entanto, entre setembro de 2023 e maio de 2024, a região passou por três eventos de chuvas extremas (setembro, novembro e maio) que, em poucos dias, mudaram não só a história, mas também a paisagem do Vale do Taquari. As enchentes acontecerem em setembro de 2023 e maio de 2024 foram especialmente marcantes para a região. 

Enchente de setembro de 2023

Na primeira semana de setembro de 2023, entre os dias 4 e 5, chuvas intensas afetaram especialmente a metade norte do Rio Grande do Sul, caindo em quantidades extremas sobre as cabeceiras do Rio Taquari-Antas e seus afluentes. Na ocasião, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul destacou que o evento ocorreu quando o Rio Grande do Sul ainda se recuperava das chuvas e ventos intensos de junho daquele ano.

A enchente resultou em 54 mortes, em mais de 400 mil indivíduos afetados e em inúmeras cidades destruídas. Só o município de Muçum, um dos mais atingidos do Rio Grande do Sul, registrou 16 mortes. Além das perdas humanas, muitos foram os estragos materiais naquele município, como a destruição da ponte Brochado da Rocha, uma importante via que liga Muçum e Roca Sales à Serra Gaúcha.

Para Muçum e muitos outros municípios do Vale do Taquari, onde o impacto e a destruição causados pelas chuvas foi extremo, o problema estava só começando. O Vale voltaria a enfrentar os mesmos desafios em novembro de 2023 e em maio de 2024, totalizando três episódios em menos de um ano. Desses três episódios, as enchentes de maio de 2024 acabaram por se tornar o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul.

Enchente de maio de 2024

Em abril e maio de 2024, a combinação de diversos fatores meteorológicos resultou em uma sequência de dias com acumulados expressivos de chuva no Rio Grande do Sul. Diante da gravidade do cenário, o Instituto Nacional de Meteorologia, o INMET, chegou a emitir 26 avisos de tempo severo para o Rio Grande do Sul. 

Em seis dias, entre 27 de abril e 2 de maio, alguns municípios gaúchos registraram precipitações históricas. Em alguns casos, como nos municípios de Soledade, Serafina Corrêa e Caxias do Sul, os volumes oscilaram entre 500 a 700 milímetros, correspondendo a um terço da média histórica de precipitação anual. 

No Estado, 469 municípios foram afetados pelo fenômeno, e o saldo da tragédia deixou um rastro de morte e destruição. Além dos estragos estruturais nas cidades e nas propriedades rurais, o número de óbitos foi expressivo. Nas últimas atualizações, foram confirmados 184 óbitos e 25 pessoas desaparecidas.

Em Lajeado, o ápice da enchente ocorreu no dia 2 de maio de 2024, por volta das 13h30min, quando o rio alcançou 33,35 metros (medição conforme dados do Governo de Lajeado/RS), 20 metros acima do seu nível normal, superando as cheias de setembro de 2023, novembro de 2023 e de maio de 1941. Na manhã daquele dia, as águas inundaram as pistas da ponte da Rodovia Governador Leonel de Moura Brizola, a BR 386, que liga as cidades de Lajeado e Estrela. O Forqueta, afluente do Taquari-Antas, também alcançou índices elevados, de tal forma que a forte correnteza destruiu três pontes: entre Marques de Souza e Travesseiro, entre Lajeado e Arroio do Meio e a histórica Ponte de Ferro, que liga as mesmas cidades e que havia sido inaugurada em 1939. 

Algumas das cidades que se localizam às margens do Rio Taquari tiveram bairros completamente destruídos. Em Cruzeiro do Sul, o bairro Passo de Estrela quase desapareceu, pois das 850 casas do bairro, 600 foram totalmente destruídas. Na cidade de Estrela, o bairro Moinhos foi um dos mais atingidos. 

A mata ciliar em vários pontos ao longo do Rio Taquari-Antas foi arrancada e arrastada com a força das águas. Município de Lajeado/RS. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Destruição em área urbana do município de Cruzeiro do Sul/RS, às margens do Rio Taquari-Antas. Maio de 2024.
Fonte: Foto de Andréa Zysko.

Sítios arqueológicos são impactados pelas cheias

Como os cursos dos rios Taquari-Antas e Forqueta possuem férteis planícies repletas de sítios arqueológicos, em especial associados aos povos Guarani, as enchentes também causaram danos a esses patrimônios. A força das águas provocou estragos em sítios já registrados e pesquisados, assim como revelou a presença de novos sítios, especialmente em áreas onde as camadas superiores de solo foram arrancadas. Em Linha Augusta (Roca Sales/RS) e em Linha Lajeadinho (Encantado/RS), por exemplo, foram encontrados manchas de terra preta, fragmentos de cerâmica, artefatos líticos e urnas funerárias expostas. Esses sítios, assim como outros, foram registrados e pesquisados pela equipe do LABARQ.

Manchas de terra preta reveladas após enchentes de setembro de 2023. Sítio RS-T-137. Município de Roca Sales/RS. Ano de 2023.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Margens do Rio Taquari-Antas destruídas após enchente de maio de 2024. Sítio RS-T-139. Município de Encantado/RS. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Planícies do Rio Taquari-Antas destruídas após enchente de maio de 2024. Sítio RS-T-139. Município de Encantado/RS. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Material arqueológico exposto no solo após enchente de maio de 2024. Sítio RS-T-139. Município de Encantado/RS. Ano de 2024.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Referências

A HORA. Cheia atinge pico na madrugada e se torna a sexta maior da história. Jornal A Hora, Lajeado, Edição 13 mai 2024.

A HORA. Do primeiro alerta à catástrofe: como se desenhou a maior enchente da história. Jornal A Hora, Lajeado, Edição 1º jun. 2024.

BOLETIM EXTRAORDINÁRIO. Catástrofe climática no Rio Grande do Sul – maio de 2024. Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul. Estado do Rio Grande do Sul, 2024.

PROGRAMA. Enchentes de setembro de 2023. Programa Volta por Cima. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. 2024. Disponível em: <https://www.rs.gov.br/enchentes-de-setembro-de-2023>.

SANTOS, Luís A. C. dos, et al. Caracterização de terras pretas arqueológicas no sul do Estado do Amazonas. Revista Brasileira de Ciências do Solo. Viçosa, n. 37, 2013.

SECOM. Após identificação de mais uma vítima, chega a 54 o número de mortos nas enchentes no Vale do Taquari. Casa Militar – Defesa Civil RS. 2024. Disponível em: <https://www.defesacivil.rs.gov.br/apos-identificacao-de-mais-uma-vitima-chega-a-54-o-numero-de-mortos-nas-enchentes-no-vale-do-taquari>.