
1960
Década que marca a formação de agrupamentos Kaingang no Vale do Taquari
Os povos Kaingang são descendentes históricos dos Jê do Sul que habitavam, no passado pré-colonial, uma grande área do sul do Brasil, incluindo o Vale do Taquari. Os limites dessa ocupação englobam desde o Rio Tietê, no sudeste, até os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Sul, em alguns momentos, a ocupação dos Jê do Sul chegou a se estender desde as terras altas, no extremo nordeste gaúcho, até os rios Jacuí e Ibicuí, na região central. Para oeste, os Jê avançaram até a província argentina de Misiones.
Atualmente, os falantes do Kaingang e do Xokleng são os descendentes reconhecidos dos Jê do Sul arqueológicos. Enquanto os Xokleng, que se autodenominam Laklanõ, “o povo do sol”, vivem em pequenos grupos no nordeste de Santa Catarina, os Kaingang ocupam cerca de trinta áreas distribuídas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Algumas estimativas apontam que são cerca de 52 mil indivíduos concentrados, na sua grande maioria, em terras indígenas. Por estarem distribuídos em quatro estados, a situação das comunidades apresenta as mais variadas condições. Em todos os casos, sua estrutura social e princípios cosmológicos continuam vigorando e se adaptando quando necessário.

Indígenas Kaingang de Ivaí/RS.
Fonte: Foto de Vilaine Capellari, 1994. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kaingang.
No Rio Grande do Sul, existem atualmente nove Terras Indígenas reconhecidas oficialmente pela União. Em cinco delas residem somente indígenas Kaingang e, em outras quatro, há também indígenas Guarani. São elas: Cacique Doble (localizada na cidade com o mesmo nome), Carreteiro (localizada em Água Santa), Ligeiro (localizada na cidade de Charrua), Votouro (em São Valentin), Nonoai (situada em Nonoai, Rodeio Bonito e Planalto), Guarita (em Redentora, Tenente Portela e Miraguai), Inhacorá (em Santo Augusto), Rio da Várzea (nos municípios de Liberato Salzano e Nonoai) e Iraí (em Iraí). Além dessas reservas reconhecidas como tal, existem outros agrupamentos indígenas que ocupam diferentes espaços no estado.

Kaingang contra colonos em Nonoai.
Fonte: Foto de Assis Hoffman, 1978. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kaingang.
No Vale do Taquari, dois agrupamentos associados aos Kaingang foram estabelecidos durante os processos de mobilidade territorial realizados por esses indígenas nas últimas décadas. Um desses agrupamentos está estabelecido em Estrela, foi fundado nos anos 1960, e é conhecido como Aldeia Jamã Tÿ Tãnh; o outro está localizado em Lajeado, foi fundado na década de 1990, e é conhecido como Aldeia Foxá.
Aldeia Jamã Tÿ Tãnh – Estrela/RS
Na década de 1960, um grupo de indígenas liderados por Manoel Soares se estabeleceu às margens da Rodovia Governador Leonel de Moura Brizola, a BR-386, no município de Estrela. Associados aos Kaingang, esses indígenas teriam se deslocado a partir de Santa Cruz do Sul, também no Rio Grande do Sul. De acordo com Silva (2016, p. 116),
“No contexto das décadas de 1960 e 1970 iniciou-se o processo de movimentação do patriarca Manoel Soares com suas esposas e filhos, em busca de sustentabilidade e do local onde Manoel teria suas raízes. Isto se deve, sobretudo, à memória das marcas deixadas pelos seus antepassados, em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas”.
O grupo teria como ponto de partida a Gruta dos Índios, onde estavam estabelecidos. De lá passaram por localidades como Mariante, Montenegro e Tabaí, até chegar ao trevo de acesso a Bom Retiro do Sul, divisa com o município de Estrela.
Aldeia Foxá – Lajeado/RS
Na virada do século 20 para o 21, um grupo de indígenas Kaingang se estabeleceu em Lajeado. Oriundos da região norte do Rio Grande do Sul, os primeiros eram provenientes de Nonoai, mas posteriormente vieram de Votouro, Serrinha e Guarita. Inicialmente, o grupo se fixou às margens da rodovia estadual RS 130, próximo da Rodoviária Interestadual, em Lajeado.
No reduzido espaço que viviam, as primeiras famílias que se estabeleceram às margens da rodovia viviam em situação de precariedade. As habitações encontravam-se cobertas por lonas velhas, não dispunham de sanitários e energia elétrica, sendo que a saúde e higiene eram demasiadamente precárias.
Diante dos fatos, foram iniciadas negociações entre as lideranças indígenas e instituições públicas e civis para que fosse cedido um novo espaço para a aldeia. Dessa maneira, de acordo com Oliveira (2010, p. 29):
Após muitas discussões com a sociedade local, bem como reuniões com os Poderes Públicos, com aliados e opositores políticos de toda ordem, os Kaingang, em 11 de outubro de 2005, conseguiram o direito real de uso e exclusividade de uma área de terras […].
Em abril de 2007, entre os bairros Jardim do Cedro e Santo Antônio (área destinada pela Prefeitura de Lajeado), foram iniciadas a construção das casas para o novo espaço. No mesmo mês, as famílias, que moravam às margens da rodovia, foram deslocadas para a área da aldeia.
Para saber mais
Documentário “Retrospectiva Histórica dos Povos Negros e Indígenas do Vale do Taquari”
https://www.youtube.com/watch?v=s5HC0XL6YqE
Referências
LAPPE, Emile; LAROQUE, Luís F. S. Terra indígena Foxá “aqui no cedro”: passado e presente Kaingang na sociedade do Vale do Taquari-RS-BR. Geousp – Espaço e Tempo, São Paulo, SP, v. 22, 2018.
OLIVEIRA, Marilda D. de. Essa terra já era nossa: um estudo histórico sobre o grupo Kaingang na cidade de Lajeado, Rio Grande do Sul. 2010. Monografia (Curso de História) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2010.
SILVA, Juciane B. S. da. “Eles viram que o índio tem poder, né!” O protagonismo Kaingang da Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh/Estrela diante do avanço desenvolvimentista de uma frente pioneira. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2016.
SILVA, Juciane B. S. da; LAROQUE, Luís F. da S. A história dos Kaingang da Terra Indígena Glória, Estrela, Rio Grande do Sul/Brasil: sentidos de sua (re)territorialidade. Sociedade & Natureza, Uberlândia, MG, ano 24, n. 3, 2012.