RS-T-114
Tipo: Sítio Guarani
Altitude: 60 metros
Localidade: Linha Bastos - Marques de Souza/RS
O sítio RS-T-114 está instalado em uma pequena planície fértil da Serra Geral, na margem direita do Rio Forqueta, onde esse rio apresenta sucessivas corredeiras e bancos de seixos. Identificado pela equipe do LabArq em 2004, esse é um dos sítios Guarani mais significativos identificados até o momento para o Vale do Taquari.
Com materiais dispersos em um perímetro aproximado de 200.000 m2, sua relevância vai desde a quantidade de vestígios cerâmicos (aproximadamente 15.000), artefatos e lascas de pedra (aproximadamente 3.000), material ósseo de fauna (aproximadamente 2.500) e vestígios botânicos carbonizados, até o índice de preservação das suas estruturas arqueológicas. Os proprietários da planície relatam frequentemente a presença de vestígios aflorando durante as atividades agrícolas, mas as camadas arqueológicas se encontram preservadas a cerca de 40 centímetros de profundidade.
Foram realizadas coletas superficiais, sondagens e escavações entre os anos de 2004 e 2014. Dessas atividades, destacam-se as escavações das áreas 1 e 2, locais que coincidem com duas manchas de terra. A mancha da área 1 está no primeiro talude do Rio Forqueta, inclinada naturalmente 45°, é mais fina no topo (15 centímetros) e mais espessa na base (35 centímetros). Apresenta expressiva quantidade de fragmentos de cerâmica, artefatos e lascas de pedras, ossos de fauna e vestígios botânicos carbonizados, especialmente sementes e lenhos de árvores. Já a mancha da área 2 está localizada na planície da inundação, cerca de 30 metros da área 1. É menos espessa, geralmente apresentando 10 centímetros de espessura, e também apresenta expressiva quantidade de vestígios cerâmicos e artefatos e lascas de pedra. Por outro lado, quase não foram identificados vestígios vegetais carbonizados e ossos de fauna.
As intervenções arqueológicas e a análise dos vestígios em laboratório permitiu algumas inferências acerca da funcionalidade de cada uma dessas manchas. As duas, apesar de terem sido contemporâneas durante séculos, cumpriam funções distintas na aldeia.
A mancha da área 1, por exemplo, apresenta características condizentes com uma área de descarte (uma lixeira da antiga aldeia indígena). Os elementos arqueológicos que levaram a essa conclusão foram: a inclinação de 45º da mancha que, ao seguir a orientação natural do talude, sugere que no momento do descarte os materiais rolaram para a base, explicando a presença de maior acúmulo de vestígios na base; a aleatoriedade da dispersão dos vestígios, uma vez que nessa mancha não foram observados aglomerados ou estruturas arqueológicas específicas, como fogueiras articuladas; a excessiva densidade de vestígios arqueológicos, especialmente restos botânicos carbonizados e ossos de fauna, que impossibilitam a ideia de circulação de pessoas.
Diferente da mancha da área 1, a mancha da área 2 possui características que parecem corresponder a um espaço de convívio social que, muito provavelmente, era destinado aos festins, banquetes ou rituais Guarabu. Para essa interpretação levamos em conta a presença de alguns marcadores arqueológicos identificados nessa área. Em primeiro lugar, seis datas por radiocarbono obtidas nessa mancha revelaram que ela foi ocupada ininterruptamente por quatro séculos, mas, mesmo assim, gerou pouco acúmulo de camada arqueológica. A sua fina espessura parece indicar que as atividades se desenvolveram durante séculos mas, por não serem diárias, geraram um acúmulo de vestígios mais discreto, embora constante. A área também não está ‘suja’ de restos de carvões ou restos de fauna. Com exceção de duas fogueiras bem delimitadas, quase não foram recuperados carvões e restos de fauna. Nela também foi evidenciada uma quantidade acima da média de cerâmicas pintadas, que geralmente são associadas ao uso em rituais e festejos, e não para atividades domésticas. Por fim, essa área apresenta uma grande quantidade de adornos labiais conhecidos como tembetá. Esses adornos labiais são utilizados entre os Guarani para a iniciação masculina e, no passado, estavam associados ao prestígio social do seu dono, uma vez que os adornos grandes são destinados aos ‘principais’ da aldeia
A cronologia do RS-T-114 chamou a atenção pela longa duração. Entre as duas áreas (área 1 e 2), foram obtidas oito datas por radiocarbono. Os resultados calibrados revelaram que a aldeia esteve ocupada ao longo de quase cinco séculos, entre os anos 1300 e 1800 da nossa Era. Além disso, as análises cronológicas indicaram que não houve períodos de abandono ao longo desse tempo, favorecendo ideia de que se tratava de uma aldeia consolidada no cenário regional, mesmo durante os dois primeiros séculos de colonização europeia na região do Vale do Taquari.

1 Vista aérea da paisagem do sítio RS-T-114. Ano de 2008.

2 Escavação da área 1, localizada no talude do Rio Forqueta. Sítio RS-T-114. Ano de 2006.

3 Mancha de terra preta da área 1. Sítio RS-T-114. Ano de 2007.

4 Escavação da área 2, localizada na planície de inundação do Rio Forqueta. Sítio RS-T-114. Ano de 2008.

5 Escavação da mancha de terra preta da área 2. Sítio RS-T-114. Ano de 2014.
Referências
FIEGENBAUM, Jones. Um assento Tupiguarani no Vale do Taquari/RS. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.
SCHNEIDER, Fernanda. Interpretação do espaço Guarani: um estudo de caso no sul da Bacia Hidrográfica do Rio Forqueta, Rio Grande do Sul. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Centro Universitário Univates, Lajeado, 2014.
SCHNEIDER, Fernanda. Poder, transformação e permanência: a dinâmica de ocupação Guarani na Bacia do Taquari-Antas, Rio Grande do Sul, Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado,2019.