
1750
Década que marca o início da doação de sesmarias e o ciclo das fazendas no Vale do Taquari
O sistema de sesmarias surgiu em Portugal ainda na Idade Média (1375), e foi criado para combater a crise agrícola e econômica que atingia a Europa na época. De maneira bem resumida, pode-se dizer que as sesmarias eram pedaços de terras distribuídos e redistribuídos para o uso agrícola. Quando a coroa portuguesa tomou posse do território brasileiro, declarou todas as terras ‘descobertas’ como virgens e sem dono. Assim, depois de um tempo, passou a aplicar o sistema de sesmarias também no Brasil, distribuindo grandes extensões de terra a determinados indivíduos, geralmente pessoas influentes, com o objetivo de promover a ocupação e exploração do território.
No Rio Grande do Sul, as doações de sesmarias aconteceram entre os anos de 1750 e 1823. Ao longo deste período, houve um progressivo aumento nas doações. Entre 1750 e 1800, por exemplo, foram doadas 488 sesmarias. Mais tarde, na década de 1810, o número passou para 843. Naquela década, apenas entre os anos de 1814 e 1816 foram 668 registros de sesmarias.
No Brasil, de uma forma geral, esse sistema se encaminha para o fim em 1822, quando o príncipe regente publica a resolução suspendendo as doações. Entretanto, mesmo com a suspensão, ainda em 1823 foram registradas 75 concessões para o Rio Grande do Sul.
Entre os beneficiários das sesmarias, estavam aqueles que pleitearam junto à coroa terras situadas no Vale do Taquari. Na região, as doações começaram a partir da metade do século 18 (a partir de 1750), estendendo-se até as duas primeiras décadas do século 19 (até 1820).

Concessão de sesmaria a Ricardo José Vilanova em 1815. Hoje, essa sesmaria corresponde ao município de Arroio do Meio.
Fonte: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
As regiões mais ao sul e ao centro do Vale do Taquari foram as principais áreas pleiteadas junto à coroa. Entre os beneficiários, que foram muitos e, em geral, exerciam influência social e econômica, podemos citar: Francisco Xavier de Azambuja (década de 1750), Pedro Lopes Soares (década de 1750), Antônio Brito Leme (década de 1750), Francisco Machado Fagundes da Silveira (1762). Francisco da Silva (1780), Antonio de Vargas (1796), José da Silva Lima (1798), Manoel Jesus da Ferreira (1800), João Ignacio Teixeira (1800), José Ignácio Teixeira (1800), José Theodoro Ferreira (1800), Manoel Alves dos Reis Louzada (1809), Antonio da Costa Leite (1814), Ignacio José Vicente da Fonseca (1815), Ricardo José Villanova (1815), José Cezario de Abreu (1816).
Mas nem todos esses proprietários viviam nas sesmarias. Muitos sesmeiros do Vale do Taquari moravam nas vilas de maior porte, como Triunfo e Rio Pardo, ou até mesmo em Porto Alegre, e deixavam a administração das propriedades sob a tutela de pessoas subordinadas.
As principais fontes econômicas dessas terras giravam em torno do extrativismo e da agricultura. Entre a segunda metade do século 18 e as primeiras do 19, a extração de madeira gerava uma considerável fonte de renda aos proprietários. Já na agricultura, o trigo foi um dos produtos mais cultivados no Vale do Taquari. Para esses trabalhos, era utilizada a mão de obra de escravizados africanos.

Concessão de sesmaria a Ricardo José Vilanova em 1815. Hoje, essa sesmaria corresponde ao município de Arroio do Meio.
Fonte: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

Lago existente na Fazenda Conceição, hoje em Fazenda Vilanova/RS, construído a partir de um arroio existente no local. Esses canais escoavam a água para mover a roda que beneficiava a madeira.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.

Ruínas do casarão localizado na sede da Fazenda Conceição (sítio arqueológico RS-T-135) de propriedade de Manoel Alves dos Reis Louzada.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
As fazendas
Alguns proprietários dividiram as suas sesmarias em fazendas menores. Entre eles, Manoel Alves dos Reis Louzada, o Barão de Guaíba, um dos principais proprietários de terras do Vale do Taquari. Louzada faleceu em 1862, deixando todos os seus bens ao seu compadre Antônio José de Moraes, uma vez que não tinha filhos para deixar sua herança. Mas, antes disso, fundou as fazendas Pinhal, Conceição e Pedreira, todas localizadas no perímetro da sesmaria que lhe foi doada em 1809 no Vale do Taquari.
Essas fazendas estavam estabelecidas na margem esquerda do Taquari-Antas, nos atuais municípios de Bom Retiro do Sul (Pedreira e Pinhal) e Fazenda Vilanova (Fazenda da Conceição). Para a fazenda da Pedreira, há registros de um porto na beira do rio destinado ao escoamento da produção. Como é provável que as propriedades estivessem interligadas por caminhos, a produção das outras fazendas de Louzada também deveria passar por este porto.

Foto antiga da sede da Fazenda Pedreira [s.d.].
Fonte: Eifler (1992).

Ruínas do casarão na sede da Fazenda Pedreira (sítio arqueológico RS-T-115), hoje localizada no município de Bom Retiro do Sul/RS.
Fonte: Acervo do Laboratório de Arqueologia da Univates.
No decorrer do século 19, alguns sesmeiros passaram a fragmentar e a vender partes menores das suas terras. No entanto, a maior transformação fundiária no Vale do Taquari ocorreu a partir da década de 1850, com a Lei de Terras, quando muitas fazendas foram loteadas e transformadas em colônias de imigração, dando o pontapé inicial para um novo ramo imobiliário regional.
Exemplo desse fenômeno pode ser visto nas fazendas de Conventos e Lajeado, implantadas na sesmaria pertencente a José Ignácio Teixeira, hoje no território de Lajeado. Exploradas pelo seu proprietário até por volta da década de 1820, foram vendidas em 1855 para a empresa Claussen e Companhia, de propriedade de Christiano Hermann Claussen e de sua esposa Juliana Manoela Rodrigues Claussen. Esses novos proprietários venderam as terras para Antônio Fialho de Vargas, que as transformou em colônias.

Planta de medição judicial das Fazendas Santo Antônio e Beija-Flor. Abril de 1861.
Fonte: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
Referências
EIFLER, Ellen V. Bom Retiro do Sul: sua história, sua vida. Porto Alegre: Feplam, 1992.
GREGORY, Júlia L. Terra, fortuna e família: a atuação de Antônio Fialho de Vargas no mercado da terra (segunda metade do século XIX). 2019. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2019.
LOPES, Sérgio N. Impactos sociais e ambientais produzidos pelo ciclo das fazendas no percurso do Rio Taquari/Rio Grande do Sul (1770-1850): uma abordagem arqueológica. 2021. Tese (Doutorado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2021.
OSÓRIO, Helen. A organização territorial em um espaço de fronteira com o império espanhol e seu vocabulário. Notas de Pesquisa. Claves – Revista de História, v. 1, n. 1, 2015.
VEDOY, Moisés I. B. Sesmarias, fazendas, desenvolvimento e desdobramentos socioambientais em territórios da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari de meados do século XVIII a meados do século XIX. 2018. Dissertação (Mestrado em Ciências: Ambiente e Desenvolvimento) – Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2018.